terça-feira, 14 de abril de 2009

Réu tem direito de saber o nome do juiz que o condenou

Em alguns países discute-se ser ou não possível acobertar o responsável pela sentença penal. Ou seja, o condenado não sabe exatamente quem foi o juiz que lhe impôs a pena ou outra medida de restrição penal. É o que, na Itália, chama-se de “juiz sem rosto”. Essa modalidade deu-se em função da Operação Mãos Limpas, contra a máfia italiana, o que nas tórridas terras abaixo do Equador, deveria multiplicar-se porque existem muitas máfias, inclusive a Judiciária.

No Brasil, numa das muitas de tentativas de “pacto republicano” entre os três poderes, está ganhando corpo uma proposta mais ou menos parecida, onde um colegiado de juízes decidiria sobre criminosos de alta periculosidade ou organizações criminosas. É surpreendente que ninguém se manifeste ou vocifere de imediato.

Em nossa Constituição (é sempre bom lembrar que há uma), o cidadão processado tem o direito ao “juiz natural”, isto é, prever com segurança que não haja circunstanciais ou convenientes alterações na estrutura judiciária, devendo o juiz ser previsível. Por que existe essa garantia? Porque, no caso de suspeição ou impedimento (e ocorre muito), o cidadão processado poderá opor-se ao juiz que instrui e julga, argumentando seu envolvimento ou interesse na causa. Quantas vezes, um juiz guarda um rancor pessoal ou se envolve subjetivamente no processo. Agora precisamos de vários que façam o mesmo?

Ora, pulverizando-se responsabilidades, atribuições e competências, não será possível arguir qualquer suspeição ou impedimento, porque haverá uma espécie esdrúxula de “rodízio” judicial, como numa churrascaria. Esse bife da prisão quem decreta é um, a picanha do bloqueio de bens é outro, e um terceiro serve o osso da sentença. Daí que o acusado não estará se opondo contra a mentalidade de apenas um juiz (equilibrado ou doidivanas), mas de vários, o que só faz dificultar a defesa sobremaneira. E as contradições que esse rodízio pode trazer? Um juiz decide assim e outro assado. A menos que haja uma “combinação” entre todos, o que seria notoriamente pior. Pergunta-se: onde está a OAB nesse pacto republicano? Foi ouvida? Concorda? Manifesta-se?

Argumenta-se, em prol da proposta, que os juízes que sentenciam organizações criminosas precisam de todo um aparato de proteção especial para salvaguardar a própria incolumidade física e dos familiares. Deveras, é um ônus. Mas, na vida, há ônus e bônus e há aqueles que optam pela carreira judiciária que, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, traz mais agruras do que benefícios. Retornando àquela justificativa, embora populista e fácil de convencer o contribuinte que forma ou é informado pela opinião pública, imaginemos o extremo oposto.

Três ou quatro juízes participam do “rodízio” penalizador contra uma organização criminosa. Agora, por um átimo, coloquemo-nos na posição do criminoso. Honestamente, alguém acredita que fará diferença para ele mandar matar um, dois, três ou os quatro juízes que pertencem ao tal “esquadrão de elite”, ou melhor, “câmara de gás”? Evidentemente que não. Aliás, há mais alvos e aritmeticamente, fica mais fácil acertar um deles numa espécie de roleta russa contra os magistrados.

Ademais, pela mesma linha de raciocínio, pela ótica do Erário (coitado, sempre ele...), se a proteção especial de um juiz já custa uma fábula para os cofres da viúva, imaginem quadruplicar esse ônus para o orçamento federal e estadual? Pois bem, aí não será apenas um carro blindado, mas quatro ou cinco; não será uma equipe de apoio e revezamento, mas multiplica-se por quatro ou cinco; e, assim, sucessivamente. A menos, é claro, que todos os julgadores do “rodízio” queiram morar num mesmo prédio ou em casas num condomínio fechado, devidamente financiados pela União ou pelo estado de Mato Grosso. Operacionalmente, fica mais barato.

Onde está a OAB? Calada? Fico perplexo com a incapacidade de reação a propostas deste naipe que, não são apenas chapadamente inconstitucionais, como são onerosas aos cofres públicos e completamente ineficazes tanto nos meios como nos fins pretendidos. Já nos basta uma Justiça cega para lidar no dia a dia. Juiz sem rosto, só se for brincadeira de carnaval.

Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso e Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2009

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