sexta-feira, 17 de abril de 2009

Um juiz, dois julgamentos. Ao mesmo tempo? Pode!

Decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprova realização de dois júris dirigidos pelo mesmo juiz, simultaneamente. Um in loco, outro pela televisão.

É viável que um só juiz realize dois júris ao mesmo tempo? Na prática, sim. Prova disso é que o juiz de Direito Aluizio Pereira dos Santos, da Segunda Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande (MS), já realizou nada menos que 226 júris simultâneos – desde 2006. Mas a iniciativa é juridicamente admissível? Para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é admissível e até “absolutamente saudável” frente à morosidade do Judiciário. A decisão do CNJ, publicada no Diário da Justiça na semana passada, foi proferida no julgamento do Pedido de Providências (PP) nº 200810000026407, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Mato Grosso do Sul. A OAB considerou a prática “ilegal e inconstitucional”.

Para conseguir conduzir dois júris de uma só vez, Pereira dos Santos se vale da tecnologia: acompanha um dos julgamentos in loco e outro por um sistema de televisão. As duas sessões ocorrem em salas contíguas. Assim, ele pode iniciar um júri antes do outro e, depois de abrir os debates na primeira sessão, sair para a sala ao lado e dar início ao segundo júri – veja como funciona no quadro ao lado. “O magistrado, como se sabe, não é o destinatário dos debates, mas apenas os jurados”, afirmou Pereira dos Santos, defendendo-se da alegação de que estaria violando o princípio da identidade física do juiz. “A função do magistrado nos debates, segundo decidiu o STF [Supremo Tribunal Federal], cinge-se em resolver eventuais incidentes sobre a produção das provas”, disse. Para resolver tais incidentes, ele conta com o auxílio de outros servidores, que acompanham as sessões.

Segundo Pereira dos Santos, “não há diferença de um juiz que acompanha os debates com esta metodologia com outro que, presente, dispersa a atenção em outros processos”. Afinal, completa ele, “de que vale o juiz ter a convicção da condenação, se os jurados absolvem o acusado? Absolutamente nada”.

Discussão

A decisão do CNJ que considerou possível a realização dos júris simultâneos foi apertada – sete conselheiros votaram a favor da prática e seis votaram de maneira contrária. O relator do caso, conselheiro Técio Lins e Silva, foi quem puxou os votos favoráveis ao heterodoxo modelo. Para ele, deve-se levar em conta que as partes envolvidas (Ministério Público, réus e advogados) nos processos julgados simultaneamente concordaram expressamente com a prática. “Neste caso específico, como houve concordância, não achamos que administrativamente houve prejuízos para a atividade jurisdicional. Pelo contrário, temos que aplaudir a iniciativa”, afirmou Lins e Silva em seu voto. Para ele, “a metodologia utilizada pelo Juízo requerido, não obstante inusitada, conseguiu (...) espantar o fantasma da morosidade naquele juízo criminal”.

Já para o conselheiro João Oreste Dalazen, a inciativa, apesar de ter boa intenção (tornar mais dinâmico o funcionamento do Tribunal do Júri), “não é admissível, mesmo com a concordância das partes: ofende o princípio do devido processo legal e dispositivos do Código de Processo Penal, que impõem a presença do Juiz Presidente no decorrer dos debates da sessões de julgamento”. Para fundamentar seu voto, Dalazen citou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou a presença do juiz “formalidade essencial à legitimidade da sessão de julgamento”.

Além de temer a anulação dos julgamentos realizados simultaneamente (anulação por via judicial, já que o CNJ tratou da questão no âmbito administrativo), Dalazen mostrou-se preocupado com o fato de a aprovação da prática “constituir precedente para desvirtuamentos análogos e indesejáveis no plano do processo civil e do processo trabalhista”. Segundo Lins e Silva, contudo, a decisão tratou apenas de um caso concreto e não autoriza a prática de maneira generalizada.

Simultâneos

Saiba como funciona a prática adotada no Mato Grosso do Sul:

1 - Desde a publicação das pautas de julgamento, os réus podem se manifestar e requerer a retirada de seus processos de pauta.

2 - No início das sessões do júri, um termo é entregue às partes para que assinem, concordando com o procedimento a ser seguido.

3 - Uma sessão de julgamento começa cerca de 1h30 antes da outra. Tempo para o juiz praticar os atos que apenas ele pode realizar – sorteio e escolha dos jurados e interrogatório, por exemplo. Depois de passar a palavra para o promotor, o juiz vai para a outra sala, para dar início à outra sessão.

4 - Dada a palavra ao promotor da segunda sessão, o juiz fica “livre” por cerca de cinco horas, tempo em que acompanha uma sessão in loco e a outra por circuito interno de televisão. “Logo, não tem fundamento a afirmação de que este juiz se ausenta do plenário”, diz Aluizio Pereira dos Santos. Um assessor jurídico inscrito na OAB, um analista judiciário, um escrivão e dois oficiais de Justiça acompanham os julgamentos, para suprir a ausência física do juiz. Tudo é gravado.

5 - Ao final dos debates, pergunta-se às partes se sofreram prejuízo; essa manifestação consta em termo e pode, no caso de prejuízo, gerar a dissolução do júri e novo julgamento – isso nunca ocorreu.


Gazeta do Povo.


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