O ano de 2009 está no seu começo e a comunidade jurídica norte-americana acompanha, atenta, os próximos passos de sua Suprema Corte. Ela foi criada no artigo, seção 1, da Constituição, e é composta por 9 magistrados. Todos foram juízes, sendo que sete são oriundos da Justiça Federal (seis de Tribunais de Apelação e um, Stevens, Juiz Federal) e dois do Tribunal do Distrito de Colúmbia, equivalente ao nosso Tribunal de Justiça do DF. Seus membros não são tratados por juízes, mas sim por “justices”. Recebem U$ 199.200 por ano, exceto o presidente (chief justice), John Roberts, que ganha U$ 208.100 e é o único que tem direito ao uso de veículo oficial de representação.
A Suprema Corte americana é respeitada pela população e exerce um papel de grande importância na consolidação da democracia e das liberdades públicas. Assim é desde 1841, no famoso “Amistad case”. Um navio de bandeira espanhola conduzia 33 escravos para Cuba, mas acabou naufragando na costa de Nova York. A tripulação fugiu e um grupo de escravos foi preso e acusado de serem ladrões e piratas. A Espanha reclamou a devolução do navio e dos escravos, com base em Tratados celebrados.
John Quincy Adams, advogado e fervoroso abolicionista, assumiu a causa. As dificuldades eram enormes. O caso envolvia direito, política e diplomacia. Até a comunicação com os presos era difícil, pois falavam uma língua diferente de outros escravos que viviam nos EUA. Após a defesa eloqüente de Adams, a Suprema Corte absolveu todos e decidiu que ao governo caberia repatriá-los a Serra Leoa, seu local de origem.
Ao longo de sua história, a Suprema Corte viu-se envolvida em uma sucessão de julgamentos semelhantes. Por isso mesmo, cada vaga é objeto da atenção geral, pois há consciência de que o novo “justice” terá influência na vida das pessoas. O sistema é o mesmo do Brasil. O presidente da República indica um nome e o Senado aprova ou não. Atualmente, dos 9, apenas dois indicados pelo Partido Democrata, sendo os 7 restantes apontados pelo Partido Republicano.
Isto não significa, necessariamente, que o escolhido siga a posição política do presidente que o indicou. A história registra vários exemplos da independência dos membros da Corte. O melhor deles é o de Earl Warren, que a presidiu. Warren foi apontado por D. Eisenhower, em 1953. Republicanos, ambos, revelou-se Warren um autêntico liberal, posição oposta à do conservador Eisenhower. Entre as suas decisões na defesa dos direitos humanos, está a que acabou com a segregação racial nas escolas públicas. Assim, entre quem indica e o indicado não se cria, necessariamente, uma relação de dependência e submissão, mas sim de respeito recíproco.
Para o ano de 2009 aguardam-se decisões em três casos importantes. O primeiro deles é oriundo do município de Connecticut, que promoveu um concurso para a promoção de bombeiros. Dos 118 candidatos, 50 eram de minorias raciais. Realizadas as provas, nenhum foi aprovado. A administração municipal não promoveu ninguém e 18 aprovados, 17 brancos e 1 hispânico, ingressaram em Juízo. O Tribunal Estadual rejeitou a demanda, dizendo que ninguém foi promovido em razão do certame, logo não havia prejuízo. O caso é emblemático, porque revela o uso de cotas às avessas.
O segundo caso é oriundo de Travis County, Texas, onde se discute se os planos do governo estadual de ensino do idioma inglês para os descendentes de mexicanos estão recebendo os fundos necessários. A discussão começou em 1992, quando pais oriundos de cidades da fronteira do México passaram a discutir a soma das verbas aplicadas no ensino de seus filhos. A questão é complexa, pois consiste em saber se o Judiciário Federal pode intervir em uma opção de política pública (emprego de verbas para estudantes) tomada pelo estado sulino. A autonomia dos estados é sagrada.
O terceiro caso é, de todos, o mais complexo. Ali Saleh Kahlah al-Marri foi preso na cidade de Peoria, estado de Illinois, como suspeito de ter participado do atentado de 11 de setembro e, considerado um “inimigo combatente”, foi posto em uma prisão militar. Em tal situação, alega-se que teve restringido seu direito ao devido processo legal. A decisão a ser tomada é eminentemente política, pois envolve uma posição do Governo Bush. Dos 9 “justices” da Suprema Corte, 4 foram nomeados por G. W. Bush. O julgamento definirá os rumos para casos semelhantes, que não são poucos.
Feitas estas considerações, cumpre analisar quais serão os reflexos em nosso país. Registre-se que a Suprema Corte norte-americana exerce influência sobre o Judiciário de todos os países do mundo ocidental. No Brasil, o artigo 386 do antigo Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal, dispunha que os estatutos dos povos cultos seriam subsidiários da jurisprudência e do processo federal. Portanto, aí está uma influência declarada na antiga lei. Atualmente, óbvio, não é assim.
Atualmente, em termos de influência do exterior para o Brasil, podemos dizer que a doutrina portuguesa e a espanhola têm tido um papel relevante. França, Itália, Alemanha e outros países, menos. Em termos de jurisprudência, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, da Corte de Cassação da Itália ou do Tribunal Constitucional da Espanha são quase desconhecidas. Em realidade, a Suprema Corte americana acaba sendo a que mais se introduz em nossos julgamentos. Nem tanto por citação de seus acórdãos (a barreira do idioma dificulta), mas sim pelas notícias jornalísticas, estas sim quase diárias.
Do que foi exposto, conclui-se que a Suprema Corte dos EUA enfrentará nesse 2009, entre os poucos casos que julga (aproximadamente 100), questões de grande relevância, com reflexos em todo o mundo ocidental. No Brasil, o STF vem adotando posição semelhante, julgando casos emblemáticos, fixando posição para o futuro. Um bom exemplo é o “caso Raposa da Serra do Sol”, que fixará os pontos principais dos Direitos Indígenas. Aguardemos, pois.
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2009
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