sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Doente mental é condenado e esquecido preso

O trabalho feito pelo Conselho Nacional de Justiça no sistema penitenciário dos estados brasileiros tem permitido descobrir situações absurdas como a do maranhense Francimar Conceição do Nascimento. Mesmo sendo doente mental e, portanto, inimputável, ele foi condenado a pena de quatro anos de reclusão. Foi preso em maio de 2004. Em 2004, o delegado que prendeu Nascimento avisou o juiz dos seus problemas mentais, mas nenhum exame chegou a ser feito. Nascimento ficou cinco anos na prisão, esquecido pelo juízo de execução.

O caso do maranhense só foi descoberto depois de instalado na penitenciária onde estava, nesse mês de fevereiro, o Núcleo de Advocacia Voluntária de Pedrinhas, uma das ferramentas criadas pelo Conselho Nacional de Justiça. O objetivo do CNJ é expandir o acesso à Justiça para as pessoas de baixa renda e suprir o pequeno número de defensores públicos.

O projeto abrange orientação e esclarecimento de dúvidas, ajuizamento de pedidos e acompanhamento das demandas judiciais em todas as instâncias. O atendimento é feito por meio de agendamento prévio na própria penitenciária e serve não só aos presos como também seus familiares.

Francimar Nascimento já voltou para a família e seu caso já foi comunicado à Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão. Um ofício do Núcleo de Advocacia Voluntária da Penitenciária de Pedrinhas pediu ao corregedor do estado mais atenção dos juízes e análise cuidadosa de todos os processos de réus presos. Os advogados voluntários querem que, agora, o Estado garanta para o ex-preso tratamento médico adequado e digno.

O ministro Gilmar Mendes, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, vai usar o descaso praticado contra o maranhense para explicar a importância da advocacia voluntária em uma palestra que faz nesta quinta-feira (26/2) para alunos e profissionais de Direito na Faculdade Novafabi, do Piauí. Em seguida, o presidente do CNJ assina um Termo de Cooperação com o Tribunal de Justiça do Piauí e faculdades locais para prestação de assistência judiciária voluntária. O Piauí poderá ser o segundo estado do país a contar com esse tipo de serviço.

Gilmar Mendes e o corregedor-nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, participam de audiência pública para discutir questões relacionadas ao Judiciário do estado. A audiência está sendo feita no auditório do Tribunal de Justiça do Piauí. Esta é a quarta audiência pública que o Conselho Nacional de Justiça faz nos tribunais do país. Já foram visitados os tribunais da Bahia, Maranhão e Amazonas. As audiências fazem parte do trabalho de inspeção do Judiciário realizado pelo CNJ.

Limpeza carcerária

O estado do Piauí já passou por um mutirão carcerário entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009. A situação encontrada no estado foi considerada grave. Varas criminais armazenavam armas e dinheiro sem segurança e proteção. Réus estavam presos há anos por ineficiência da Justiça e do Ministério Público, sem instrução, parecer e sentença.

O CNJ se deparou, por exemplo, com o processo de um preso provisório que estava detido há três anos sem que o Ministério Público tivesse apresentado denúncia. Em outro processo, o mandado de prisão estava vencido há 11 anos. O réu, foragido, foi condenado em 1977 por homicídio simples. Nunca foi preso. O mandado de prisão contra ele ainda estava nos autos, embora o crime tivesse prescrito desde 1997.

Havia ainda histórias de presos que já tinham cumprido pena e esperavam posicionamento da Vara de Execução Penal. Outros que estavam detidos por furto de R$ 5, celular ou bicicleta por mais tempo do que a pena máxima prevista para esse tipo de delito.

A situação encontrada no Piauí não foi diferente da encontrada pelo grupo de juízes no Maranhão, por exemplo. Lá, os juízes descobriram a história de Elpídio. Ele foi condenado a cinco anos de prisão, mas ficou encarcerado por oito anos. No mutirão, sua pena foi declarada cumprida e Elpídio pôde ir para casa.

Também conheceram José Fernando Pereira da Silva, vulgo Fernando Fujão. Ele foi condenado em 1999 a 17 anos de prisão. Quando cumprisse 10 anos de sua pena, teria direito à liberdade condicional, procedimento previsto na Lei de Execução Penal e que deve ser aplicado para todos os presos com condenação criminal definitiva. Fujão ficou, no entanto, 11 anos e três meses preso, ou seja, um ano e três meses a mais do que poderia. E todo esse tempo, sem processo de execução.

O mutirão do Maranhão analisou 1.191 processos. O estado tem três mil presos, aproximadamente. Nos 1.191 casos analisados, 590 — quase metade — tinham direito a algum tipo de benefício (liberdade provisória ou progressão de regime), que ainda não havia sido analisado pela Justiça local.

No caso do Piauí, 1.087 processos de réus presos foram analisados. Desses, 48 presos condenados conseguiram liberdade e 340 presos provisórios também obtiveram o benefício, totalizando 388 liberdades. Eles custariam para o estado R$ 504 mil por mês e R$ 6 milhões por ano.

Em 273 processos no qual anda não havia acabado a instrução, as prisões foram mantidas. Dezoito réus com instrução encerrada e com sentença condenatória também ficaram atrás das grades e 16 presos com instrução encerrada, mas sem sentença, também vão continuar presos. No total, 307 réus dos processos analisados continuarão presos.


Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2009

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