sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Juíza critica aplicação da Lei Maria da Penha

Magistrada reclama de falta de estrutura para filtrar ocorrências

A magistrada gaúcha Osnilda Pisa, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, acredita que a Lei Maria da Penha, implantada no país há dois anos para coibir as agressões contra as mulheres dentro de casa por meio do endurecimento das punições aos responsáveis, não está alcançando seus objetivos no Estado.

Afalta de uma estrutura adequada para receber e filtrar as reclamações das mulheres, segundo ela, gera uma avalanche de ocorrências – em boa parte, indevidas, e acaba sufocando a apuração dos casos realmente procedentes.

A juíza revela que muitas vezes a lei é usada como subterfúgio para acesso a uma internação psiquiátrica, solução de crises conjugais ou obtenção de vantagens financeiras.

Isso faz com que atualmente boa parte dos casos prescreva e deixe o autor da agressão impune.

Para a juíza, a solução para esse problema é a implantação de centros multidisciplinares que acolham as mulheres e filtrem as denúncias que de fato devem resultar em registro de ocorrência e inquérito policial. Confira um resumo da entrevista concedida ao Zero Hora.

“ A lei não cumpre seu papel”


Zero Hora – A Lei Maria da Penha está atingindo o resultado esperado?

Osnilda Pisa – A delegacia faz de conta que atende, faz a ocorrência e fica por isso mesmo. Aí vem para cá um grande volume de casos. Hoje (ontem), passei a tarde toda atendendo pessoas com problemas psiquiátricos. Até encaminhei um rapaz para um posto de saúde para o médico dar remédio para depressão. O que falta? Um centro de atendimento que possa acolher, ouvir e orientar a vítima.

ZH – As pessoas estão mal-informadas sobre o objetivo da lei?

Osnilda – Muitas vezes, a vítima só quer a separação, ou é uma mãe que quer uma internação psiquiátrica para o filho e por isso registra ocorrência por furto, ameaça ou perturbação da paz. Entra um número incrível de ocorrências, esgota os policiais, não tem como fazer todos os inquéritos. A mulher precisa primeiro de apoio, alguém que pergunte exatamente o que ela quer e do que precisa. Precisam ser atendidas por um assistente social, um advogado, um psicólogo, pessoas que possam dar assistência, uma espécie de antessala da delegacia. Tem mulheres que querem apenas tirar o companheiro de dentro de casa.

ZH – Seria viável construir centros interdisciplinares para dar este atendimento?

Osnilda – Não é tendo mais uma delegacia que vai resolver o problema. Precisa de um local para essa vítima ser acolhida. Algumas regiões têm esses centros no Brasil, e tem verba do Ministério da Justiça para criá-los, mas precisa ter iniciativa. O centro tem de ser a antessala da delegacia. O policial não tem capacitação ou obrigação de fazer atendimento terapêutico, acalmar essa mulher e orientar sobre separação.

ZH – Sem isso, como fica?

Osnilda – Estamos fazendo de conta. No ano passado, foram registradas 13 mil ocorrências. É muita coisa, e acaba inviabilizando a apuração correta dos casos, que era a intenção da lei. Pergunto: de quantas foi enviado o inquérito no prazo de 30 dias da lei? Quantos foram fechados depois de dois anos do fato, o que faz com que prescrevam?

ZH – A maioria prescreve?

Osnilda – Não tenho dados numéricos, mas é um volume enorme. Fora a qualidade do trabalho. Os inquéritos têm vindo sem testemunhas, o que a lei previa. Trazem o que a vítima disse, e que o agressor negou. Então eu fico aqui fazendo triagem para ver o que é caso de intervenção judicial de fato, caso de família ou da rede de saúde pública.

ZH – A maior parte é de quê?

Osnilda – Encaminhamento para a rede de saúde pública, para conseguir internação para dependente químico. No posto PAM 3, de Porto Alegre, acabam internando por 24 horas para cumprir a determinação judicial, e depois liberam. Ninguém faz desintoxicação em 24 horas. Quando há prisão em flagrante, mando para o Instituto Psiquiátrico Forense, mas lá não tem condições de uma desintoxicação humanizada, com leito e soro.

ZH – A lei está cumprindo seu propósito?

Osnilda – Não. De junho a dezembro, fiz 1,3 mil audiências. São 25 por tarde. São problemas emocionais graves, e eu sou juíza, não sou psicóloga, não sou psiquiatra. Tem gente que usa a lei para fazer a separação do marido, o que não é caso criminal. No mínimo, a metade dos casos que chegam é indevida, mas pode até ser mais.


Zero Hora.

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