terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Dependência preocupante

O uso de álcool e de drogas por policiais é um problema mais ou menos crônico no mundo inteiro. O estresse cotidiano a que é submetido o servidor da segurança pública, a tensão permanente de quem sabe que a qualquer momento pode perder a vida numa operação de combate a bandidos ou tentativa de cumprir mandados de prisão é algo que, muitas vezes, leva policiais às bebidas ou às drogas, caindo na ilusória sensação de encontrar alívio nesse tipo de alienação. É claro que o contato com traficantes e suas "mercadorias" facilita o acesso a esse caminho. Mas no caso da Polícia Militar (PM) de São Paulo podemos falar de outros fatores que se acrescem aos mencionados: além do estresse dos riscos há a sobrecarga de trabalho, que não permite o mínimo necessário de descanso. Para complementar o baixo salário e melhorar a renda da família o policial faz "bicos" nos dias e horários que deveriam corresponder a suas folgas no serviço regular. E para agüentar essa sobrecarga apela para o álcool e as drogas.

Entre janeiro e setembro deste ano o Centro de Assistência Social e Jurídica (CASJ) da Polícia Militar atendeu, a cada três dias, um policial militar dependente de álcool ou drogas. Provavelmente essa quantidade é ainda maior do que a registrada pelas estatísticas da corporação, pois freqüentemente os policiais escondem o problema, temendo perseguição de seus comandantes ou menosprezo de seus colegas. Segundo reportagem publicada ontem no Estado, só nos três primeiros meses o CASJ atendeu a 96 casos, o que superou os números de janeiro a dezembro de 2007 (93 casos) e de 2006 (94 casos).

O setor social da PM também atende a casos que vão da depressão aos conflitos conjugais. Descontados eventuais exageros, o que diz o presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar, cabo Ruiz Carlos Cezário, é preocupante: "O policial é mal remunerado, chega em casa e vê a família passando fome. Enquanto deveria descansar, faz segurança na padaria ou no mercadinho para reforçar o salário. Acaba mais tenso, porque sabe que se morrer no bico a família não recebe o seguro (pago pelo Estado). Se for descoberto, recebe punição. Assim, muitos acabam enveredando pelo caminho do álcool e das drogas."

Estudo realizado pela médica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e professora da USP Alexandrina Neleiro, dá conta de que por seu tipo de trabalho um policial militar tem de três a quatro vezes mais chances de desenvolver um quadro de depressão ou estresse do que os outros trabalhadores. E essas doenças, na maioria dos casos, levam o paciente à dependência do álcool ou de entorpecentes. Alguns também apelam para medicamentos controlados e estimulantes, conhecidos como "rebite".

A psiquiatra resolveu fazer esse trabalho depois da onda de ataques comandada pelo Primeiro Comando da Capital, em maio de 2006, quando a polícia foi o principal alvo da facção criminosa. Mas o problema maior - como salienta na reportagem uma fonte que não quis se identificar - é que "a tropa está mais doente do que (mostram) as estatísticas oficiais". E sugere: "O comando da PM deveria ficar atento e trabalhar com afinco para retirar esses policiais das ruas, porque eles representam um perigo para si mesmos e para a população."

A reportagem traz uma pequena entrevista com um cabo de 32 anos que foi reformado por invalidez depois de trabalhar 13 anos na PM. Ele conta que chegava a tomar uma garrafa e meia de conhaque para encarar o trabalho. Foi julgado e condenado no Tribunal de Justiça Militar a 1 ano e 3 meses de detenção por trabalhar embriagado. Deixou a corporação no meio do ano, enquanto sofria um processo no Conselho Disciplinar. E agora, fora da PM, se considera "90%" curado.

É urgente que o governo do Estado de São Paulo desenvolva um programa especial tanto de prevenção quanto de recuperação de policiais militares viciados em álcool ou drogas. Pois não há como deixar de associar o efeito desses vícios a situações de violência descontrolada, em que, para o horror da população, policiais agem como se eles é que fossem os bandidos.

Estadão.

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