quarta-feira, 1 de julho de 2015

Um terço dos casos de depressão em jovens adultos está ligado a bullying na adolescência, aponta estudo

Combater o bullying nas escolas pode ser uma forma de reduzir o número de casos de depressão, de acordo com especialistas


A depressão é um quadro que está cada vez mais aumentando em todo o mundo. E um novo estudo mostra que a doença pode estar relacionada a outro problema grave na adolescência: o bullying. A pesquisa, publicada nesta semana no The British Medical Journal (BMJ), foi conduzida na Universidade de Oxford e relacionou casos de depressão em jovens de 18 anos, com casos de bullying aos 13.

Para tanto, analisaram as informações sobre bullying e depressão de 3.898 jovens participantes de um banco de dado da Avon Longitudinal Study of Parents and Children. Nesses dados, os jovens responderam aos 13 anos questionários sobre bullying, e aos 18 responderam outras questões sobre depressão. Dos 638 adolescentes que reportaram serem vítimas frequentes de bullying, 14,8% apresentaram depressão aos 18 anos. E dos 1.446 adolescente que sofreram bullying entre uma a três vezes em três meses, 7,1% estavam com depressão aos 18. Enquanto apenas 5,5% dos adolescentes que nunca sofreram bullying tiveram depressão nessa mesma idade. 

Quando os especialistas levaram em conta fatores como bullying prévio na infância, problemas mentais e comportamentais, histórico familiar e eventos estressantes na vida, o padrão de relação entre o bullying e a depressão continuou forte. Além disso, a proporção foi a mesma entre garotos e garotas. 

No fim, os especialistas concluíram que 30% dos casos de depressão podem ser atribuídos a bullying na adolescência. Os especialistas inclusive acreditam que intervenções contra o bullying nas escolas poderiam interferir positivamente nos casos de depressão. 

Como identificar e combater o bullying nas escolas?
Segundo a ONG "Learn Without Fear" (Aprender Sem Medo), 350 milhões de crianças e jovens são vítimas de bullying anualmente em todo o mundo. O pediatra e um dos autores do livro "Diga não para o Bullying", Aramis Lopes Neto, aponta que atitudes violentas dentro da escola geram muita preocupação, pois interferem na formação do indivíduo e deixam sequelas, principalmente para as vítimas. 

O bullying não pode ser encarado como uma brincadeira ou provocação natural entre crianças e adolescentes e merece atenção para ser prevenido e combatido. Conheça agora esse fenômeno social, suas causas, consequências e quais são as medidas necessárias para diminuir a incidência desse tipo de comportamento: 

Tipos de bullying

Há várias formas de manifestar o bullying. A prática pode ocorrer da forma direta, quando a agressão é feita contra o seu alvo por meio de apelidos, exclusão do grupo, agressão moral ou física. O bullying pode ser também indireto, envolvendo furtos, fofocas e até mesmo, o cyberbullying, aquele que usa a internet, celular e outros meios do mundo digital para divulgar as ofensas - sites caluniando as vítimas, vídeos disseminados com situações embaraçosas e fofocas circulam pela rede numa velocidade impressionante. Segundo uma pesquisa recente feita pela Universidade de Valência, na Espanha, entre 25 % e 29 % dos adolescentes sofrem bullying via telefone celular ou internet.

Além disso, as provocações podem começar presencialmente e evoluir para o ambiente virtual, como conta a professora do Ensino Fundamental da Rede Municipal do Rio de Janeiro, Cristiane Mesquita. "Uma aluna nossa recebia ameaças e xingamentos, que eram divulgados na porta do banheiro da escola. Depois, isso se repetiu numa rede social na internet. A mãe, completamente assustada, foi à escola e nós a orientamos a procurar a justiça. A direção convocou o responsável pela agressora, que pediu desculpas à garota. Só então a mãe desistiu de denunciar", relembra.

Em geral, o modo de manifestar o bullying varia entre os meninos e as meninas. Entre eles, ocorrem mais agressões físicas e exclusões do grupo, na hora de jogar bola ou no recreio, por exemplo. Enquanto entre elas, a prática envolve fofocas, difamações e dominação, sem no entanto, excluí-las do grupo. 

Consequências duradouras

Os estragos das agressões ilimitadas são visíveis tanto na vida pessoal dos agredidos como na escolar. De acordo com um estudo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, publicado pela American Psychological Association, a vítima típica de bullying sofre de depressão e ansiedade com maior frequência. 

Dentre as vítimas é comum a ocorrência de baixa autoestima, pensamentos suicidas e dificuldade de se relacionar amorosamente e profissionalmente. Já os agressores, levam a agressividade para a idade adulta em casa e/ou no trabalho, não conseguem estabelecer relações longas e nem regularidade no trabalho.

Carlos Eduardo de Camargos, 30 anos, morador de Ceilândia no Distrito Federal, amarga até hoje as consequências de ter sido uma vítima de bullying. Por causa disso, ele adquiriu fobia social, depressão, temperamento explosivo e distimia. "Ainda tenho dificuldades em confiar nas pessoas, falta de coragem de encará-las e medo de enfrentar os erros", diz. 

Reconheça um agressor

Os agressores costumam ser figuras populares na escola, são agressivos com os colegas, professores, pais e, normalmente, trazem consigo um grupo de seguidores. "Eles precisam dessas pessoas que os apóiam e se submetem a eles e, dessa forma, a responsabilidade pela agressão é dividida", ressalta Aramis Neto.

Ao contrário dos agressores, as vítimas, geralmente, têm (ou desenvolvem) baixaautoestima, se isolam do grupo e têm poucos amigos. As vítimas também apresentam algumas características físicas que as tornam alvos, como por exemplo: magreza, excesso de peso, timidez, ou outra característica acentuada. "Além disso, as vítimas apresentam sinais de depressão, ansiedade e baixo rendimento escolar", explica o pediatra.

O especialista acrescenta que, em casa, eles se isolam no quarto, demonstram irritabilidade com os pais, pois não se sentem apoiados, choram com frequência e, geralmente, inventam desculpas para faltar aulas e não ficar no ambiente em que estão sofrendo. 

Vítima ou agressora?

Algumas características sinalizam se alguém pode ser um provável alvo de bullying. É importante observar as crianças muito infantilizadas ou muito protegidas, que não conseguem se impor ou serem ouvidas dentro do grupo, ou aquelas que ouvem frequentemente frases desestimulantes no ambiente familiar como "você só me traz problemas", adverte o Aramis.

Já os agressores vieram de uma família que usa a violência como forma de autoridade, com pais ou mães que não expressam amor ou afeto pelos filhos ou que cresceram em lares em que todos os comportamentos eram aceitos. "Eles não sabem ouvir, principalmente, a palavra não", avisa o especialista. 

Como tratar as sequelas

Tanto as vítimas como os agressores de bullying precisam de ajuda psicológica. De acordo com a psicóloga Rita Romaro, o primeiro passo é conseguir identificar o que está acontecendo e qual foi a gravidade da ofensa ou agressão. 

Para as pessoas que sofrem o bullying, a psicóloga recomenda até a mudança de escola, quando o caso é muito grave, além da terapia. "Mesmo que o bullying pare, a criança continua sendo discriminada na escola. Para ela não adquirir aversão ao ambiente escolar, o melhor mesmo é a mudança", ressalta Rita.

Para crianças menores, a terapia pode ser na forma de "ludoterapia", que envolve brinquedos e conversa. Esse trabalho é eficaz, melhora a autoestima da vítima e a criança aprende a lidar melhor com suas emoções. 

Já no caso dos agressores, o mais importante é identificar o que está por trás da agressão: se ele sente prazer na dor do outro ou se ele apenas repete o que ele vivencia ou vê em sua própria casa. É possível que os praticantes de bullying tenham um possível transtorno de conduta e que, mesmo com a terapia, não tenham resultados tão bons quanto os das vítimas. "A importância desse método, nesse caso, é que a família pode ser ajudada e pode aprender como lidar com essa criança", explica a especialista. Ela recomenda terapia familiar em alguns casos.

A criança que apresenta algum transtorno de conduta costuma fazer o outro sofrer e sente prazer nisso, mentir e inventar histórias, não respeita autoridades, gosta de colocar fogo em objetos, se meter em brigas e machucar animais, entre outras ações.

A psicóloga Rita Romaro explica que o mais importante é saber qual é a extensão do bullying que a criança pratica e identificar se ela realmente tem o transtorno para poder alertar a família sobre como lidar e não se deixar manipular pela criança. 

Qual a função da escola?

A escola deve adequar o ambiente escolar para reduzir o bullying e valorizar a diversidade. Medidas para esclarecer o que é o bullying também devem ser realizadas. E é fundamental que a escola aja como um facilitador entre pais e alunos para encaminhar, orienta e resolver a questão. Um dos fatores que agrava ainda mais o problema é a omissão de professores e dos profissionais do ambiente estudantil.

A professora do Rio de Janeiro, Cristiane Mesquita, conta o que faz para diminuir as agressões em sala de aula: "É essencial que o professor tenha consciência de que o bullying maltrata e baixa a autoestima da criança. Sempre que presencio em minha turma, eu converso seriamente com todos e leio uma lei que criminaliza quem pratica o bullying".

A lei N.º 5.089, do estado do Rio de Janeiro, obriga os professores e funcionários de escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro a denunciarem casos de violência contra crianças e adolescentes, inclusive o bullying, a delegacias e conselhos tutelares. As instituições que não cumprirem a norma podem pagar multas de 3 a 20 salários mínimos. Para o pediatra Aramis, algumas das principais medidas a serem tomadas nas escolas incluem: 

1- Admitir que o bullying existe em todas as escolas.
2- Praticar ações que podem reduzir a incidência das agressões com mobilização de toda a comunidade escolar: professores, coordenadores, pais e alunos.
3- Promover o trabalho de compromisso para a redução do bullying saindo da premissa: "Essa escola não vai mais tolerar o bullying".
4- Cada turma ou série construindo sua forma de conviver contra o bullying, admitindo o que é aceitável e o que não é.
5- Trabalhar a amizade, solidariedade, não-violência e amor com atividades em grupo.

O papel da família

Já a família deve valorizar o diálogo. Não se avalia pelo boletim se a criança sofre bullying. O lema "passou de ano está bom" só serve para pais omissos.

Os pais devem estar atentos se o seu filho tem amigos, se conhece pessoas que sofrem alguma agressão ou se ele mesmo é intimidado na escola. A função da família é permitir que o filho exponha seu sofrimento.

Mas muitas vezes a criança tem medo de dizer aos pais, principalmente porque tem medo de se expor e acha que os pais não vão valorizar os seus sentimentos. "No caso dos agressores, a família deve saber corrigi-los para que eles não continuem com as agressões na escola, mas não pelo medo de serem castigados, e sim, pelo tradicional método do diálogo aberto e da educação familiar, que é indispensável a qualquer indivíduo que vive coletivamente e de forma respeitosa", ressalta a psicóloga Rita Romaro.

O bullying deve ser levado a sério por toda a comunidade escolar e familiar. Aos pais, cabe decidir qual a melhor escola para os seus filhos - muitas vezes, a escola que oferece a melhor educação formal não possui o ambiente mais saudável.


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