sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Prisões privadas americanas fracassaram e não devem ser adotadas no Brasil, alerta especialista


Presidiários participam de festa em prisão da CCA em Florence, no ArizonaReprodução/facebook.com/correctionscorp

Busca por lucro, exigência de lotação mínima e violência comprometem modelo

Enquanto uns conseguem lucro com a venda de carros, imóveis ou hambúrgueres, outros apostam em uma atividade econômica polêmica: a comercialização de prisões. Vender penitenciárias é assumidamente o negócio da CCA (Corrections Corporation of America), que em 2013 completou 30 anos como pioneira nas prisões privadas norte-americanas.

O balanço desse tipo de gestão, no entanto, é negativo. Para ONGs e especialistas, o modelo norte-americano fracassou e não deve ser adotado por outros países.

A proposta da CCA era animadora: construir e operar penitenciárias estaduais e federais com a mesma qualidade das públicas, mas com um custo menor. Os Estados e o governo federal, assim, poderiam contratar uma empresa que ficaria responsável por manter os detentos — fornecer alimentação, higiene, cuidados médicos e transporte — e assegurar que eles cumpram a pena e sejam reintegrados à sociedade.
O negócio das prisões privadas se mostrou lucrativo para todas as empresas do ramo: entre 1999 e 2010, o número de prisioneiros mantidos nas instituições particulares cresceu 80% no país, enquanto a população carcerária em geral cresceu apenas 18%.
Nesse período de 12 anos, o governo federal norte-americano investiu mais no modelo do que os governos estaduais: enquanto o número de detentos federais nas prisões privadas saltou de 3.828 para 33.830 (aumento de 784%), a quantidade de presos estaduais passou de 67.380 para 94.365 (crescimento de 40%).
Os dados são do relatório Too Good to Be True (Muito Bom Para Ser Verdade, em tradução livre), da ONG americana Sentencing Project. Segundo o estudo, as prisões privadas mantinham 128.195 presos em 2010, o equivalente a 8% do total de 1,6 milhão da população carcerária dos EUA, a maior do mundo.
Lotação mínima?
O êxito em números, porém, contrasta com as críticas contra o modelo: custos abusivos, alto encarceramento de imigrantes, fuga de detentos, violência no cumprimento da pena, reincidência dos criminosos e até mesmo financiamento de campanha política (para que as empresas conquistem os contratos estaduais ou federais) são alguns dos problemas.
Os “poréns” das prisões privadas foram reunidos pelo Sentencing Project a partir de um relatório da ONG Grassroots Leadership, de um estudo da ONG In the Public Interest e por auditorias e documentos policiais e judiciais publicados pelo jornal The Huffington Post.
Para o professor de Direito Penal da PUC-SP e pesquisador de segurança pública Cláudio José Langroiva Pereira, o modelo norte-americano de sistema prisional privatizado não pode ser utilizado no Brasil, onde se discute esse modelo como alternativa às superlotadas cadeias públicas.
— Os maus exemplos de prisão privada estão nos Estados Unidos, onde a administração busca o ganho financeiro.
No Brasil, a primeira penitenciária particular, em Ribeirão das Neves (MG), completou um ano no mês passado. Adotando um modelo público-privado, a gestão é elogiada por não apresentar problemas de superlotação e por oferecer serviços hospitalar e jurídico de qualidade. Nos Estados Unidos, no entanto, é diferente.
A exigência de lotação mínima é uma das grandes polêmicas: por contrato, as cadeias privadas norte-americanas precisam preencher de 80% a 100% das vagas.
O relatório da ONG In the Public Interest mostra, por meio dos contratos firmados com as prisões privadas, que os governos são obrigados a garantir a ocupação exigida ou, caso contrário, têm de forçar os contribuintes a pagar pelas vagas não ocupadas se a taxa de criminalidade cair.
Segundo Pereira, o sistema norte-americano pecou quando achou que a segurança, ao ser transferida para a iniciativa privada em alguns Estados, poderia se refletir em melhoria do sistema prisional.
— Isso não pode acontecer, pois a segurança é uma competência do Estado. Em um sistema em que o Estado prende, a prisão privada precisa criar situações para que o detento continue preso. Dessa forma, a execução da pena não é feita da forma correta.
Segundo o Sentencing Project, o Estado do Arizona concluiu, em 2010, que o governo estadual tinha um custo 16% maior com as prisões privadas do que com as públicas.
A violência também é criticada no modelo. A investigação do Huffington Post mostrou que os detentos das prisões da YSI (Youth Services International), especializada em jovens delinquentes, passaram por 23 incidentes de força excessiva em 2012 — quase dois por mês.
Nos últimos 20 anos, as instituições tiveram episódios frequentes de espancamento, abuso sexual, comida estragada e negligência — como um garoto de 18 anos, no Texas, que morreu de pneumonia por duvidarem de que ele estava passando mal. 

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