domingo, 11 de maio de 2008

Artigo - O direito de pensar





Direito é um termo plurívoco, isto é, admite os mais diversos significados nas várias línguas.
Em português, igualmente, tem vários sentidos e pode ser tanto um substantivo, como um adjetivo ou até mesmo um advérbio.

No Dicionário Aurélio aparece como faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato, ou como prerrogativa, que alguém possui, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe aproveitam, ou ainda como faculdade concedida pela lei, dentre outras concepções.

No dicionário jurídico especializado (De Plácido e Silva) tomamos emprestado o seguinte conceito:

“Direito: no sentido subjetivo, mostra-se o direito uma faculdade ou uma prerrogativa outorgada à pessoa (sujeito ativo do direito), em virtude da qual a cada um se atribui o que é seu, não se permitindo que outrem venha prejudicá-lo em seu interesse. (o que é protegido pela lei). Neste sentido o direito compreende a fruição e o gozo de tudo o que nos pertence, ou que nos é dado.”

São muitos os direitos consagrados ao longo da História da humanidade, merecendo destaque em ordem de importância o direito à vida, à liberdade, à igualdade, etc.

A própria evolução civilizatória é marcada por diversas ondas ou gerações de direitos que se sucedem: direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais.

Há, entretanto, um direito que não se estuda nas faculdades de direito e nem aparece nos livros doutrinários ou na jurisprudência dos tribunais. Não está também expresso na legislação, ainda que seja fundamental: o direito de pensar.

Nem mesmo a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 ou a mais recente Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 proclamam este direito básico de pensar, mas quando muito a liberdade de pensamento ou de emitir opinião.

Pensar, pode-se dizer, é o esforço básico do homem que excita seu córtex cerebral com o propósito de coordenar elementos dispersos e integrar com eles um célula mental. Colaboram neste esforço básico a função e os frutos da observação, da reflexão, da experiência, da análise, da seleção, da imaginação, da recordação. Correntemente atende as necessidades ou urgências de ordem material. Quando é incentivado por conhecimentos transcendentes responde à direção manifestamente lúcida da consciência.

É a faculdade de pensar que permite ao ser humano produzir idéias e pensamentos próprios, é a que define a origem dos mesmos. Por conseqüência lógica é com o exercício desta faculdade que se forma a individualidade e as condições de autogoverno da vida.

Se o que caracteriza a espécie humana é a racionalidade, a inteligência e a consciência, nada mais lógico do que se reconhecer como direito humano essencial o direito de pensar.

Para uma ciência chamada Logosofia(1) “O direito de pensar com liberdade é tão necessário ao homem como o direito de viver, pois este último é conseqüência do primeiro.”

Assim, cada um é titular do direito de pensar, que não deve ser delegado a ninguém, pois a prerrogativa de pensar é a máxima expressão do livre-arbítrio do ser humano.

Quando o homem renuncia a este direito essencial ou delega a outros o ato vital de pensar, torna-se vulnerável e indefeso e facilmente se converte em vítima da opressão moral e psicológica.

Segundo a Logosofia, o ato consciente de pensar, que é o maior que pode haver dentro da natureza humana, é o que desperta o homem psíquica e moralmente. “Pensando é como se pode transmitir a palavra, o pensamento ou a idéia; e uma palavra que for pensada e que se usa para fazer um bem é a manifestação e a prova de que existiu o ato de pensar, que é, por sua vez, a primeira manifestação do espírito criador do homem.”

Desde que o homem começa a pensar por si mesmo, já dignifica sua espécie; se afasta da irracionalidade que constituiu e constitui a animalidade; sente o influxo das forças criadoras por efeito de sua mente, o que o comove frente ao próprio ato de pensar.

Ensina a Logosofia que o ato de pensar é filho da própria inteligência que fecunda a mente do ser humano, que assim se aproxima do Criador e da Criação porque passa a compreender do que é capaz.

No decorrer da História, alguns se arvoraram no direito de pensar pelos outros, que deviam acatar cegamente todos os absurdos introduzidos em sua mente. Desta maneira, acreditavam que resolviam o grande problema moral; infundiram o temor, o terror, o pânico que deslocava em princípio a zona mental sensível das criaturas humanas.

Quando não se exerce o direito de pensar, fica-se a mercê de dogmas, de crenças, e o que é pior, não se busca a causa dos erros para poder corrigir-se e realizar a própria redenção. Só quando se pensa é que o Espírito respira.

A verdadeira liberdade que pode sentir o ser humano é a liberdade de pensar, a única que pode despertar e nutrir a vida espiritual na medida em que liberta da escravidão espiritual de que padece significativa parte da humanidade.

Muitos clamam pela liberdade de espírito, pela liberdade de pensar, que é o grande problema da humanidade. Desse grande problema nascem todos outros, mas o principal é esse, o conflito entre a liberdade e a escravidão, entre o direito de ser e a ignomínia de não ser.

O Livre Arbítrio tem, para a Logosofia, um significado maior do que atribui a generalidade. Quando o homem libertar-se da escravidão mental e dos pensamentos opressores que exercem uma tirania quase onímoda sobre sua mente recém poderá, com justa razão, considerar-se em situação favorável para fazer uso de seu alvedrio.

Ao exercer o verdadeiro livre arbítrio o ser já não correrá o perigo de ser surpreendido com algumas ciladas que o ambiente mental externo pode engendrar, como se tem visto em muitíssimos casos, fazendo sucumbir o ser quanto mais livre se sente nesta aparente liberdade.

De fato, se abrimos mão de exercer o sagrado direito de pensar não seremos capazes de conceber os próprios pensamentos e nem de criar nada, nem mesmo de conduzir a própria vida.

A defesa da mente contra os pensamentos alheios que atacam e querem subornar ou corromper o ambiente mental é o mais legítimo direito dos homens.

Entregar-se à sugestão alheia é a causa de muitos males que afligem o ser humano e o levam a cometer erros e até delitos, na medida em que se deixa levar pelas correntes de pensamentos que massificam e corrompem a mente. Depois lamentam por longo tempo porque não pensaram antes do mal feito. Na verdade não aprenderam a pensar por que não lhes foi ensinado!

Ocorre às vezes que estes seres, depois de cair nas múltiplas ciladas em razão de sua ingenuidade, reagem de tal maneira contra ela que abraçam o extremo oposto, convertendo-se de repente nos seres mais desconfiados, tanto que até perde as melhores oportunidades, justamente por recear quando menos deveriam fazê-lo.

Todo isso é fruto da inconsciência, já que tal coisa não acontece a uma consciência ativa, que sabe mobilizar a tempo os elementos de julgamento requeridos pela razão quando vai comprometer, em sua totalidade ou em parte, o patrimônio físico, moral ou espiritual do ser a quem assiste.

Quando aprende e começa a pensar nasce e se afirma dentro do ser a confiança em si mesmo, e já não cai na credulidade, porque se consulta invariavelmente ao próprio julgamento antes de aceitar o alheio; já não há perigo de cair na renúncia do próprio pensar, cedendo tão legítimo direito aos falcões da dialética social, política ou religiosa, que, alienando as mentes com os vôos da imaginação, apanham a suas presas, escolhidas de antemão.

Mas no que deve pensar o ser humano? Pergunta a Logosofia e responde ela mesma: em Deus, Autor de sua existência; pensar em si mesmo, fruto dessa Criação; pensar em cada um de seus semelhantes, porque todos formam parte dessa mesma Criação.

Porém, é necessário primeiro aprender a pensar seriamente, conscientemente, e isto se alcança freando um tanto a memória para consagrar esse ato de pensar como algo que deve merecer todo respeito, toda a atenção e o valor que contém.

Pensar é o supremo direito do ser humano e o que lhe permite viver e sentir a própria vida, bem como buscar seu aperfeiçoamento realizando as mudanças necessárias para corrigir-se e assim alcançar o equilíbrio existencial.

Notas:

(1) Ciência criada e desenvolvida pelo pensador e humanista argentino Carlos Bernardo González Pecotche.

Edson Luiz Peters é promotor de Justiça no Estado do Paraná, professor universitário, escritor e docente da Fundação Logosófica do Brasil Sede Curitiba.


O Estado do Paraná, Direito e Justiça.

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