A legislação brasileira não admite que uma pessoa seja levada a júri popular apenas com informações colhidas no inquérito policial e que não foram confirmadas em juízo ou submetidas ao contraditório e à ampla defesa. Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou, por unanimidade, recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul e manteve decisão do Tribunal de Justiça gaúcho que impediu um cidadão acusado de homicídio qualificado de ser julgado.
Na decisão que submete o réu a julgamento pelo júri, conhecida como de pronúncia, o único elemento de prova considerado pelo juiz foi extraído do inquérito: o depoimento de uma testemunha indireta, que ouviu uma vizinha dizer que o crime teria sido cometido pelo réu. A vizinha não confirmou a informação à polícia e, depois, não foi localizada para ser interrogada em juízo.
O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, disse que, embora a competência para julgar crimes dolosos contra a vida seja do tribunal do júri, a preocupação de evitar o erro judiciário levou o sistema a instituir uma fase prévia de instrução, perante o juiz e com as garantias do contraditório e da ampla defesa, de modo que só sejam submetidos a julgamento os casos em que sejam comprovadas a materialidade e a existência de indícios de autoria.
Segundo o ministro, essa fase de instrução funciona como um filtro que aceita apenas acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas. Em seu recurso, o MP-RS sustentou que o artigo 155 do Código de Processo Penal, que impede o juiz de condenar com base em provas obtidas exclusivamente no inquérito policial, não se aplicaria ao júri popular, já que este não precisa fundamentar sua decisão.
No entanto, para Rogerio Schietti, o fato de os jurados não terem de explicitar os motivos de seu convencimento aumenta o risco de condenações sem a necessária comprovação das provas colhidas. “Com maior razão — até porque não são exteriorizadas as razões que levam os jurados a decidir por eventual condenação —, a submissão do réu a julgamento pelos seus pares deve estar condicionada à produção de prova mínima e, diga-se, judicializada, na qual tenha sido garantido o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa que lhe são inerentes.”
Schietti destacou ainda a fragilidade do testemunho indireto, quando a pessoa depõe não sobre o que viu, mas sobre o que ouviu dizer. Embora o Brasil — diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo — não proíba esse tipo de depoimento, o ministro afirmou que ele deve ser tratado com extrema cautela, pois, além de pouco confiável, dificulta o exercício da defesa pelo réu, que não tem como negar de maneira eficaz as acusações.
Ao concluir seu voto, o ministro afirmou que, enquanto não ocorrer a prescrição, o Ministério Público poderá oferecer outra denúncia contra o acusado, desde que surjam novas provas. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2016.
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