Posted: 15 Feb 2016 08:29 AM PST
Execução Penal no Brasil
No Processo Penal brasileiro, a execução penal inicia-se de ofício pela autoridade judiciária, sem necessidade de provocação do Ministério Público, nos termos dos arts. 105 e 147 da Lei nº. 7.210/84. Mesmo em relação à pena de multa, tampouco será possível a execução penal por meio de provocação do Ministério Público, tendo em vista a alteração feita pela Lei nº. 9.268/96 no art. 51 do Código Penal, bem como pela revogação expressa do art. 182 da Lei de Execução Penal, tornando inaplicável o art. 164 da Lei nº. 7.210/84.A questão que ora suscitamos, não enfrentada normalmente pelo cursos e manuais de execução penal, diz respeito à compatibilidade constitucional do processo de execução penal brasileiro (especialmente o seu início) com a ordem constitucional vigente e, evidentemente, com o Sistema Acusatório por ela adotado.
Ora, sabendo que a Constituição Federal de 1988, no art. 129, I, estabeleceu ser privativa do Ministério Público a promoção da ação penal pública, excepcionando-se apenas a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, por força de outro dispositivo constitucional (art. 5º., LIX), parece-nos ser de todo questionável se o início do processo de execução penal, nos termos em que hoje se opera no sistema processual penal brasileiro, coaduna-se com a Constituição Federal e com o Sistema Acusatório.
Em outras palavras, indaga-se: é possível um processo de execução penal iniciar-se de ofício, sem a iniciativa da parte acusadora?
Cremos que não, salvo se admitirmos, por absurdo, ser possível, à luz da Constituição, uma ação penal ex officio .
Sistema Acusatório
Efetivamente, soa estranho aos princípios e regras do Sistema Acusatório que um Juiz de Direito, de ofício, atue para executar uma sentença condenatória, considerando-se, inclusive, que, em muitos casos, o Juiz da Execução confunde-se com o próprio Juiz da causa quando, por exemplo, há competência única no caso de permissão da respectiva Lei de Organização Judiciária.
Alberto Binder
Obviamente, a autoridade responsável pela execução penal deve sempre ser um Juiz de Direito, mesmo porque o processo de execução penal não mais pode ser visto como de natureza administrativa. É preciso, como afirma Alberto Binder:
“Judicializar la etapa de ejecución de la pena, de modo que sean jueces específicos – los llamados ´Jueces de Ejecución` o ´de Vigilancia Penitenciaria` – los que se ocupen de ejercer un control general sobre la ejecución de la pena de prisión.”
Eis a razão pela qual rechaçamos a opção do legislador alemão ao estabelecer, no art. 451 do Código de Processo Penal alemão, (StPO) que “la ejecución penal se verificará mediante la fiscalía como autoridade de ejecución.” (nem tanto ao mar, nem tanto à terra…).
Sim, “judicializar” (para usar a expressão de Binder) a execução penal é fundamental! Estabelecer a ampla defesa, o contraditório, a garantia ao duplo grau de jurisdição, enfim, exigir o devido processo constitucional, exatamente como o processo de conhecimento exige.
Mas, por outro lado, é preciso atentarmos para as lições de Ferrajoli, ao estabelecer as bases do modelo garantista e do “modelo teórico acusatório” que:
“Comporta no sólo la diferenciación entre los sujetos que desarrollan funciones de enjuiciamiento y los que tienen atribuidas las de postulación – con la consiguiente calidad de espectadores pasivos y desinteresados reservada a los primeros como consecuencia de la prohibición ne procedat iudex ex officio -, sino también, y sobre todo, el papel de parte – em posición de paridad con la defensa – asignado al órgano de la acusación, con la conseguiente falta de poder alguno sobre la persona del imputado.”
É, por óbvio, o Princípio da Inércia da Jurisdição, inerente também ao Sistema Acusatório, caracterizado “todo ello ante la actitud pasiva del juzgador”, como lembra Aragoneses.
Se cabe, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública, caberá ao mesmo órgão estatal também dar o impulso inicial, privativamente, à execução da respectiva sentença condenatória. Não faz sentido, a nosso ver, que se ponha nas mãos do órgão acusador a iniciativa da ação penal e deixe ao órgão julgador a tarefa (absolutamente anômala) de iniciar a execução da pena. Não deixa de ser, de toda maneira, uma atividade de natureza persecutória, vedada pelos princípios que regem o Sistema Acusatório que, lembrando mais uma vez, “requiere del juez una actitud pasiva”, como adverte Roberto Falcone.
Definitivamente, não nos parece ter sido esta a vontade do constituinte originário, ainda mais considerando os termos em que estruturou e concebeu o Ministério Público a partir de 1988, nos arts. 127 e seguintes da Constituição.
Aliás, especificamente no art. 129, IX, atribui-se como função institucional do Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade.” Ser o titular da ação de execução penal seria incompatível, por exemplo, com o exercício da ação penal pública, a primeira das funções institucionais do Ministério Público?
No Direito Comparado, podemos citar o art. 469 do Código de Processo Penal Português que estabelece competir ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança. Para tanto, no caso da execução da pena de prisão, “o Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade.” (art. 477).
Nenhum comentário:
Postar um comentário