terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

STJ julgará se decisões da Corte Interamericana se sobrepõem ao CPP

Nesta terça-feira (23/2), a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vai julgar se o Código de Processo Penal se sobrepõe a decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ou se a Justiça brasileira está obrigada a cumprir o que manda o tribunal internacional. Nessa data, continuará o julgamento de um Recurso Especial do Ministério Público do Paraná contra decisão do TJ do estado que determinou o trancamento de ação penal que a CIDH mandou abrir.
O ministro Rogério Schietti deve levar seu voto-vista na questão à próxima sessão da turma, no processo que ficou conhecido como “caso Sétimo Garibaldi”. Até agora, apenas o relator, o desembargador convocado Ericson Maranho, votou, e pelo não conhecimento do Recurso Especial.
A discussão envolve uma decisão da Corte Interamericana que mandou reabrir as investigações da morte do sem terra Sétimo Garibaldi. Ele morreu em 1998, durante um ataque de 20 homens encapuzados a um assentamento do Movimento dos Sem Terra (MST). Eles foram ao assentamento de madrugada e fizeram disparos a esmo, só que um deles atingiu Garibaldi, que morreu no mesmo dia em decorrência dos ferimentos.
O inquérito durou quatro anos, e resultou na prisão em flagrante de Ailton Lobato pela suspeita de ter sido ele o autor do tiro. Morival Favoretto, dono da Fazenda São Francisco, onde estava o assentamento, era suspeito de ser o mandante do crime.
Em maio de 2004, a Justiça do Paraná determinou o arquivamento do inquérito a pedido da Promotoria de Justiça de Loanda (PR). O MP-PR alegou falta de indícios da autoria do crime. Disse ao juiz que todas as testemunhas confirmaram o ataque e que os mascarados exigiam a saída do MST. No entanto, enquanto algumas testemunhas disseram que Ailton Lobato foi quem deu o tiro que matou Garibaldi, outras disseram não ter identificado ninguém entre os mascarados.
Por conta dessa decisão, a viúva de Sétimo representou contra a Justiça brasileira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e foi ao Tribunal de Justiça do Paraná com um mandado de segurança. A CIDH decidiu levar o caso á Corte Interamericana, mas o TJ manteve o inquérito trancado — com a ressalva de que, caso houvesse novas provas, o CPP autorizaria a reabertura das investigações.
Novas provas, novo trancamento
A CIDH "reinvestigou" o caso e ouviu novas testemunhas. Duas delas apresentaram novas provas e descreveram novos cenários do caso. E então a Corte Interamericana condenou o Brasil a reabrir o caso e investigar se as suspeitas de que Morival Favoretto mandou Ailton Lobato e seu bando expulsarem os sem-terra de sua fazenda e acabaram matando Sétimo Garibaldi.

Com base na decisão da CIDH e com a comprovação de que de fato os novos depoimentos traziam outras informações ao caso, a Justiça do Paraná determinou a reabertura das investigações e a instauração de ação penal.
Favoretto, então, impetrou um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Paraná, que trancou a ação penal — além de censurar a reabertura do caso. De acordo com o TJ-PR, “não havendo a produção de ‘novas provas’ que modificassem a matéria de fato e autorizassem o oferecimento da denúncia em desfavor do paciente, é de rigor que se reconheça estar sofrendo de constrangimento ilegal”.
No entendimento dos desembargadores paranaenses, “o oferecimento da denúncia, com fundamento em base empírica existente em inquérito policial arquivado, a pedido do MP, constitui constrangimento ilegal e viola o princípio constitucional da segurança jurídica, pois, se assim não for, o investigado, a qualquer momento, antes de consumado o prazo prescricional, poderá ser submetido a processo penal”.
Tratados internacionais
É contra essa decisão do TJ-PR que o Ministério Público interpôs um Recurso Especial. De acordo com a Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná, os desembargadores violaram o artigo 68, parágrafo 1º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que diz: “Os Estados Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.

De acordo com o MP, a Justiça brasileira tem obrigação de cumprir com esse dispositivo. Isso porque a Emenda Constitucional 45/2004, que fez a reforma do Judiciário, estabeleceu que todos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário e tenham sido aprovados pelo Congresso Nacional (como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos) são “equivalentes às emendas constitucionais".
O MP-PR também aponta que, em 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Extraordinário 466343-1, que “os tratados internacionais de direitos humanos têm o condão de paralisar a eficácia jurídica de qualquer dispositivo de lei interna que eventualmente conflite com o tratado”.
Isso porque o TJ-PR baseou sua decisão no artigo 18 do Código de Processo Penal, que autoriza a polícia a “proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”. O tribunal também afirma que a Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal só autoriza o início de ação penal baseada em inquérito arquivado se houver “provas novas”.
Para o Ministério Público do Paraná, o TJ “deixou de cumprir a parte que lhe cabia na execução da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sequer se esforçando para harmonizar seu conteúdo com a aplicação e a interpretação do direito interno”.
De acordo com o MP, o TJ errou, “seja por censurar o desarquivamento, seja por trancar a ação penal, mesmo admitindo de forma expressa que a denúncia possuía justa causa”.
Inteligência do CPP
O desembargador convocado ao STJ Ericson Maranho, do TJ de São Paulo, votou para manter o caso arquivado. No entendimento dele, a ação penal só poderia ter sido oferecida se houvesse “efetiva existência de provas novas”. É o que ele diz ser a “inteligência do artigo 18 do CPP e da Súmula 524 do STF”.

De acordo com Maranho, o TJ-PR, “após percuciente” análise dos autos, entendeu que as novas provas não foram suficientes para mudar o “panorama probatório” e autorizar a reabertura do caso.
Ele explica que o artigo 18 do CPP e a súmula do Supremo tratam de momentos diferentes da persecução penal. Enquanto o CPP fala de reabertura de investigações, o verbete do STF trata da abertura de ação penal com base em inquérito arquivado a pedido da polícia ou o do MP. Nesses casos, diz Maranho, “provas novas devem ser aquelas substancialmente novas — aquelas realmente desconhecidas anteriormente por qualquer das autoridades”.
No caso, segundo o desembargador, “não se verifica o ineditismo probatório necessário para autorizar o desarquivamento do inquérito policial, visto que os fatos apontados como novos não alteraram o quadro que gerou o arquivamento do procedimento policial”.
Depois do voto de Maranho, o ministro Rogério Schietti pediu vista. Queria analisar justamente o confronto entre o CPP, a súmula do Supremo e a eficácia das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O voto dele será lido nesta terça-feira (23/2), na da 6ª Turma.
REsp 1.351.177
 é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2016.

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