segunda-feira, 25 de março de 2013

O Advogado no universo jurídico


João Baptista Herkenhoff
Muitos atores compõem o chamado universo jurídico: juízes, membros do Ministério Público, advogados, peritos, serventuários e funcionários da Justiça em geral.
Cada qual tem seu papel mas a pretensão desta página é refletir sobre a missão do advogado.
Ao nos colocarmos à face do Advogado para desvendar sua missão, acabamos por enveredar por outros caminhos. Tratamos, por exemplo, da luta pela sacralidade da pessoa humana. Cuidamos dos Direitos Humanos e dos compromissos concretos que decorrem da decisão existencial de optar por essa causa.
Figuras sagradas da Advocacia, nem sempre conhecidas pelos jovens como deveriam ser, são mencionadas com reverência.
Num mundo e numa época em que se perdem os referenciais éticos, os mais velhos têm o dever de ajudar os mais jovens a buscar o sentido essencial das coisas.
Ex-alunos que se tornaram advogados e alunos de hoje que se preparam para um dia servir ao Direito, como advogados ou mesmo noutros misteres ligados ao mundo jurídico, frequentemente me interpelam sobre o que entendo deva ser o fundamento da ética profissional.
Destaco três pontos na ética do advogado:
seu compromisso com a dignidade humana;
seu papel na salvaguarda do contraditório;
sua independência à face dos Poderes e dos poderosos.
Em primeiro lugar, creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial.
Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas?
Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia.
Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo.
A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.
Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes. Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é talvez a mais grave violação dos Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos que propomos aos jovens como “opção de vida” não são, obviamente, os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.
Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos.  E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares.
De minha parte, não foi somente nos livros que aprendi Direitos Humanos. Suponho que aprendi muito mais na prática, ao me comprometer com a luta dos oprimidos. Não foi um esforço solitário, mas, pelo contrário, coletivo. Companheiros que aprendiam e ensinavam – partilhavam – na Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória.
Aprendemos Direitos Humanos:
a) nas prisões, defendendo a dignidade humana dos presos, que não podem ser tratados como se bichos fossem;
b) nas chamadas “invasões”, que devem ser consideradas “ocupações”, quando se trata de terras ociosas, guardadas para fins meramente especulativos, e o suposto invasor santifica esse pedaço de chão com o seu trabalho, para sustento da família;
c) na Catedral de Vitória, que foi aberta aos “sem teto”, quando ocorreram “despejos em massa” na capital do Espírito Santo;
d) nas margens do Rio Doce, onde famílias estavam desabrigadas, por causa das enchentes do rio.
A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens.
Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de opressão, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.
Nosso segundo ponto lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz.  Já Sêneca percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.
Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado.  Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma. Não tema o advogado a opinião pública.  Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é palestrante pelo Brasil afora e escritor. Acaba de publicar Encontro do Direito com a Poesia – Crônicas e escritos leves (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa. O tamanho do texto pode ser reduzido, se isto for considerado conveniente.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog