terça-feira, 19 de março de 2013

Ressocialização de presos é usada para aumentar penas


O conceito de ressocialização de presos é hoje muito mais utilizado como método de aumento de penas do que como ferramenta de reabilitação social dos infratores. É o que aponta uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Direito (FD) da USP. O estudo apresenta uma ampla discussão em torno dessa questão e constrói uma crítica à forma como o poder judiciário faz uso do conceito.
Estudo constrói uma crítica à forma como o poder judiciário faz uso do conceito
Ressocialização é o nome dado ao princípio da pena de prisão utilizado para significar o fim de reinserção dos infratores às regras da sociedade. Para o pesquisador Luis Carlos Valois, esse ideal de reabilitação, uma vez tido como impossível pela maioria da população, e pelas evidências empíricas, é hoje utilizado de forma contrária, servindo de base para um aumento incoerente das penas. “Observei muitos casos em que o juiz dizia: Condeno o cidadão a três anos de pena base, mas aumento em mais dois anos a sanção porque três anos não é suficiente para ressocializar”, conta Valois.
O pesquisador acredita que, utilizando punições não legítimas, o poder judiciário deixa de dialogar com a sociedade e passa a ser um poder arbitrário. “O direito que era para ser uma comunicação com a sociedade, pois o judiciário é um poder político, quando usa um argumento que ele mesmo não acredita, está cessando qualquer possibilidade de diálogo com a sociedade. Dessa forma, o poder judiciário fica cada vez mais distante da população, e isso é muito prejudicial, uma vez que ele acaba se demonstrando um poder arbitrário, que não deveria ser”, explica.
A pesquisa foi dividida em três partes. A primeira delas procurou reconstruir, com o apoio de conceitos observados em textos de história, filosofia e psicologia, o nascimento do termo ressocialização e sua utilização ao longo do tempo. A segunda parte estava voltada à crítica ao sistema de punição adotado pelo poder judiciário, a partir da análise de uma série de documentos que apresentavam decisões judiciais. A última parte estava voltada para a análise de como os presos poderiam ser julgados sem a necessidade de aplicação do ideal de ressocialização, apenas com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Para o pesquisador, esse último tópico de estudo é o mais importante de toda a dissertação, pois muito mais do que apontar o problema, é necessário apresentar uma solução que possibilite opções mais justas de julgamento. Isso tudo, porém, deve estar de acordo com os princípios legais da Constituição, ainda que se tenha como objetivo a reestruturação social dos infratores. “A questão é que o termo ressocialização é mais utilizado para encarcerar do que como método de reinserção social. Não precisamos de um argumento falho, um subterfúgio, para fundamentar uma punição ou para melhorar as condições atuais do sistema carcerário”, destaca Valois.
Casos cada vez mais frequentes
A pesquisa apontou também a frequência com que o termo ressocialização vem sendo utilizado de forma negativa. “Cerca de 60% das decisões que usam o termo ressocialização usam para encarcerar, agravando e aumentando a pena”, conta Valois. Para ele, esse índice é um reflexo dos problemas que o sistema carcerário do país vem enfrentando atualmente. “Nós sabemos que a prisão tem a função contrária da socialização. Ela é dessocializadora e prejudica tanto a sociedade quando o preso, pois ele tende a sair de lá pior”, afirma.

O pesquisador acredita que o objetivo maior do seu estudo é mostrar que a prisão traz consigo mais problemas do que soluções. O aumento sem fundamento das penas só contribui negativamente para o processo de reabilitação social do preso. “Todo preso deve ser considerado um cidadão que está cumprindo uma pena, pagando sua dívida com o estado, mas como um cidadão, se eu utilizo um argumento de que a prisão é algo bom, de que a prisão vai mudar aquela pessoa, eu vou estar aumentando a violência do próprio cárcere. Se a prisão for vista como algo negativo, e não como algo bom, acredito que já teremos um grande avanço. Minha expectativa é que as pessoas percebam que estamos errando em muitos pontos com relação ao sistema carcerário”, afirma.
Luis Carlos Valois completa dizendo que o melhor caminho é tratar o infrator acima de tudo como um cidadão, e como tal deve ser julgado a partir das leis. “Ninguém tem interesse que o sistema penal seja justo. O sistema é um reflexo da sociedade. Esse argumento de ressocialização encobre uma quantidade de injustiças sociais que estão por trás da prisão. Tratando o preso como cidadão, e garantindo seus direitos, podemos estar no caminho de fazê-lo ver que ele possui responsabilidades para com a sociedade em que está inserido”, cita.
Imagem: sxc.hu
Agência USP de notícias. Publicado em 13/março/2013

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