E A POLÊMICA EM TORNO DA LEI 12654/2012 CONTINUA....
Essa semana participei de uma banca de mestrado, em que a dissertação versava sobre os bancos de dados genéticos e a prova do DNA no processo penal. Como toda boa temática, a discussão vai para muito além do trabalho avaliado...e neste caso, não foi diferente, até porque, a outra participante da banca era uma qualificada professora de Biologia, especialista em genética forense. Primeiro ponto que me chamou a atenção é que ainda existe muita gente (inclusive atores judiciários) que não se deu conta de que a Lei 12654, além de criar o banco de dados genético para os condenados por crimes hediondos, também possui um outro instituto relevantíssimo: a coleta compulsória de material genético de suspeitos. É o ovo da serpente, que matou o direito de não auto-incriminação, e que foi inserido no final do procedimento legislativo pelo famoso senador-guardião-da-morali
Por onde passo, vejo argumentos do estilo: não era esse o ‘espírito da lei’, não era isso que queria o legislador, etc.
Ora, por favor, direito não é sessão espirita (com todo o respeito aos espiritas), aqui não se trabalha com ‘espirito do legislador’. Isso é um ranço da filosofia da consciência, superadíssimo !!!!
Temos que trabalhar com a viragem linguistica e nos focarmos na filosofia na linguagem. A lei é bastante problemática e, principalmente, ruim, vaga, indeterminada. Precisamos enfrentar o que lá está, ou seja, a linguagem. E, neste ponto, não adianta invocar os ‘bons’ espíritos: a lei autoriza sim a coleta de material genético junto com a identificação criminal, bastando que o delegado fundamente a necessidade para a investigação e o juiz autorize. E, mais, A LEI É AUTOAPLICÁVEL! Por elementar! Tem gente esperando a regulamentação....mas regulamentar o que? A forma de coletar? Se vão te amarrar numa cadeira ou não? Se a agulha deve ser fina e grossa? A lei já diz o direito que nos assiste: que seja usada técnica adequada e indolor. Ponto, nada mais.
Mas também tenho visto muita gente ingênua, o que me parece ainda pior. Aqueles que acreditam na ‘bondade dos bons’. Pior (ou tão grave quanto) que invocar o ‘espirito do legislador’, é acreditar no ‘bom senso’ dos operadores do direito... Adoro isso, gente que acredita num sistema que funcione com o ‘bom poder’.
Meses atrás, em um grande evento, assisti incrédulo a uma palestra onde falavam: vamos confiar nas instituições, que os juízes terão muita cautela ao deferirem esse pedido, que os delegados e promotores não vão banalizar essa técnica e, principalmente, esperamos que sejam sempre empregadas técnicas não-invasivas, como coleta de cabelo e saliva.
Levantei-me e fui embora.
Sinto, mas minha dose de ingenuidade acabou há muito tempo, junto com a descoberta que não existe papai noel e coelhinho da páscoa...Desculpa, mas com isso eu não tenho mais paciência.
Mas, voltando à banca, outras tantas questões foram suscitadas e que merecem profunda reflexão, especialmente:
- limites do compartilhamento de provas (e da prova emprestada), especialmente entre as esferas cível (investigação de paternidade) e penal;
- limites impostos pelo princípio da especialidade (esse ilustre desconhecido, que abordo no livro ‘direito processual penal’ e que necessita de urgente desvelamento);
- os limites de consentimento, no caso de o material ser coletado quando o agente ainda era criança (caso do teste do pézinho) ou em outras circunstâncias;
- o problema da prova dispensada, como o copo utilizado pelo suspeito, o cigarro, etc.
- existe ‘necessidade’, enquanto subprincípio da proporcionalidade, para extrair compulsoriamente o DNA, considerando que ele pode ser encontrado em mais de 50 situações (lençol, travesseiro, roupas íntimas, escova de cabelo, escova de dentes, copos, etc.)?
Por fim, o que mais me impressionou foi uma rápida explicação sobre a possibilidade de um DNA FAKE !
Sim pessoal, isso é possível e bastante fácil de ser elaborado.
Não sou biólogo, então perdoem eventuais falhas técnicas, mas a questão é a seguinte: é perfeitamente viável (e bastante fácil, segundo informado) vc pegar uma amostra de sangue e eliminar completamente o DNA, utilizando um equipamento laboratorial (simples) que centrifuga essa amostra de sangue. Separado os componentes, vc ficaria com o plasma (uma amostra biológica válida, mas sem qualquer DNA). Então agora vc pega uma amostra de DNA de OUTRA PESSOA, isola o DNA e o amplifica. Bastam fragmentos de DNA, que podem ser amplificados e, após, inseridos naquele plasma. Pronto. Em linguagem ‘simples’, vc teria agora uma nova amostra de sangue, com o DNA manipulado (com a inserção do código genético de outra pessoa), para ser ‘plantado’ no local do crime, no corpo da vítima e onde mais vc quiser.
Então é possível manipular o DNA? Com bastante facilidade...
E existe uma forma de detectar o DNA FAKE? Sim, mas exige um procedimento bastante complexo e, segundo me foi informado, ainda não disponível nos laboratórios brasileiros. Seria através da técnica da “methylation”. Possível, mas bem mais complicado…
Enfim, muitas questões ainda precisam ser abordadas neste tema, mas vou parar por aqui.
Quer saber mais?
Forensic Science International: Genetics, 2009. DOI: 10.1016/
Face do Aury Lopes Júnior.
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