quarta-feira, 20 de março de 2013

Intervenção compulsória é prevenção de um mal maior


A Operação Centro Legal, estabelecida na cidade de São Paulo, para desmanchar a “cracolândia”, desencadeou novo debate sobre a questão da internação compulsória de adultos, crianças e adolescentes em razão da dependência química em todo país. Assinalar o desprezo histórico do estado para com os dependentes químicos, diante de um problema grave de ordem de saúde pública, pode parecer, num primeiro momento, repetitivo.
Sabemos que não existem soluções mágicas para sanar os problemas de saúde pública enfrentado pela sociedade, especialmente, quando se pretende impor tolerância zero e total abstinência para tratamento de dependentes químicos em situação de drogadição. Entretanto, existem possibilidades da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente para os menores de idade, e em geral as normas de funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS) primordialmente na elaboração de programas de proteção integral no intuito de priorizar a prevenção frente à repressão.
Importante não perdermos de vistas, que se mantidas falhas as políticas sociais básicas destinadas à questão em tela, como educação, saúde, esporte, lazer, dificilmente alcançaremos a prevenção do tráfico e uso de entorpecentes. A recuperação toda política de combate as drogas neste cenário é uma medida que deve ser coloca em prática urgentemente.
Diante disso, as questões acerca da legalidade da internação compulsória regulamentada pela Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que pontua sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, estabelecendo que a  internação psiquiátrica poderá ser: voluntária, quando receber a anuência do usuário; involuntária,  quando se dá sem o consentimento do usuário e sim a pedido de terceiro; compulsória, quando ocorrer determinação judicial — artigo 6º — e  somente será determinada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos — artigo  5º. Assim, surgem indagações de que o estado pode largar os viciados em más condições de atendimento, não promovendo a recuperação do dependente químico, criando com as estruturas, depósitos de dependentes, da mesma forma que ocorreu com os manicômios em momento pretérito próximo.
Indiscutivelmente, a sociedade enfrenta um grave problema de saúde pública nesta matéria, bastando abrirmos os olhos e visualizar na mídia, impondo ainda, sofrimento social do cidadão, aos dependentes e suas famílias. Nas grandes metrópoles temos maior número de dependentes químicos praticando crimes, desamparados pelas famílias e necessitando de internação compulsória, não ocorrendo de forma satisfatória em decorrência da harmonia dos poderes constituídos, que são avessos as necessidades destes.
Os deveres constitucionais são pontuados em nossa Carta Cidadã nos artigos 6º e 196 que: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” e “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Assim, a saúde é um elemento para o desenvolvimento da dignidade humana. Quando falamos em criança e adolescente, a Constituição em seu artigo 227 pontua que é dever da família, da sociedade e do estado, promover meios e oportunidades à vida e à saúde da criança e do adolescente.
A matéria de internação compulsória não é pacífica, tendo em vista que alguns defendem à execução do programa com intensas críticas, devendo ser realizada a internação somente com a concordância do dependente, de seus representantes e não como medida coativa judicial.  Inquestionável o direito do cidadão se manifestar a respeito de determinada decisão que lhe aprouver, desde que seja capaz, com plenas condições de entendimento. Não preenchidas as condições para autogovernar e autodeterminar — como é o caso dos dependentes químicos, a representação passa para os familiares e, na ausência, para terceiros juridicamente legitimados.
Decorrente da legalidade, o estado pode intervir e determinar medidas coativas visando à preservação da vida conforme pontuado na Carta Maior, tendo em vista que o dependente químico não estaria apto mentalmente para o exercício de seus direitos, necessitando, portanto, da aplicação de medidas protetivas.
Aplicação da intervenção compulsória é prevenção de um mal maior tanto ao dependente químico como das pessoas que com ele convivem. Assim, a decretação da internação obrigatória é, sem dúvida, um mecanismo capaz de responder as necessidades sociais e à própria proteção dos dependentes químicos, para que tenham, pelo menos, a oportunidade da essencial tentativa de recuperação.
André Marques é advogado, consultor, escritor, membro da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB-GO e doutorando em Direito.
Revista Consultor Jurídico, 19 de março de 2013

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