Com o devido aconselhamento jurídico, um empresário pode vender até lotes na Lua — e ficar multimilionário — sem nunca ter qualquer entrevero com a Polícia ou com a Justiça. A prova é a empresa imobiliária Lunar Embassy, do empresário americano Dennis Hope, que no decurso de três décadas já vendeu quase 600 milhões de acres em terrenos na Lua. Entre seus clientes estão celebridades como Barbara Walters, George Lucas, o ex-presidente Ronald Reagan e o ex-presidente George Bush pai, de acordo com a revista Discovery.
Dennis Hope começou a vender lotes na Lua em um momento de desespero. O divórcio, na década de 1980, o deixou em ruínas. Mas não sem seu senso de humor, adquirido na profissão de ventríloquo. Da janela de seu apartamento, olhava a Lua, enquanto considerava que sua situação financeira seria resolvida se ele tivesse um terreno para vender. "Na verdade, eu tenho", lhe ocorreu. "A Lua tem mais de 10 bilhões de acres sem dono. Basta eu tomar posse". Hope conseguiu registrar a propriedade da Lua em São Francisco, Califórnia e criou a Lunar Embassy, que hoje tem franquias em diversos países. Pelo menos isso é parte da história que vem junto com cada "escritura" de transferência de imóvel lunar.
O empresário já foi retratado na Times, na CNN, no USA Today e no Space.com. Nesta segunda-feira (11/3), o jornal The New York Times publicou um artigo, assinado pelo cineasta canadense Simon Ennis, que produziu um documentário de 6m26s sobre o empreendimento lunático de Dennis Hope. O documentário explica, mesmo que rapidamente, porque o "empresário" nunca foi incomodado pela Justiça. Depois de consultar seus advogados, Hope recorreu a um artifício que lhe deu tranquilidade jurídica: duas palavras incrustadas, em letras minúsculas, no "contrato" de venda.
Ele incluiu a expressão "novelty gift" na "escritura de compra e venda de imóvel", que funciona como contrato. Isso invalida qualquer suposição ou pretensão de que o direito a um terreno na Lua tenha valor jurídico ou efeito prático. As palavras "novelty gift" ou "novelty item" colocam o empreendimento em sua verdadeira dimensão: a venda do lote na Lua não é para valer — e não há propaganda enganosa.
"Novelty gift" e "novelty item" se referem a um pequeno item, que tem uma qualidade peculiar, única, que pode ser um objeto de enfeite ou diversão. Um exemplo é o revólver de brinquedo que, quando disparado, libera uma pequena bandeira com a inscrição "BANG". No final das contas, a "escritura" de compra de um lote na Lua é, para todos os efeitos, uma brincadeira — um enfeite, que pode ser colocado em um quadro, pendurado na parede da sala e exibido às visitas. Junto com a escritura, o feliz comprador também recebe um "Mapa da Lua".
Essa expressão aparece no que os americanos chamam de "fine print", que é uma espécie de declaração de isenção, muito usada em anúncios publicitários, sempre em letras muito pequenas. É um recurso usado, por exemplo, em anúncios dos melhores remédios do mundo. Nas "fine prints", que muita gente precisa de lupa para ler, há uma advertência: "Antes de usar, consulte seu médico. Você pode ter uma convulsão e morrer".
O site e-What?, que tenta apontar furos no empreendimento lunar para proteger consumidores desavisados, reconhece que a inclusão dos termos "novelty item" na documentação da empresa cria uma proteção jurídica para ele. A definição pode classificar o item como um objeto de animus jocandi — sempre contestado pelo animus beligerandi e diferenciado do animus corrigendi.
O animus jocandi, como se sabe, revela a intenção de entreter ou de brincar. E é uma proteção constante nos tribunais a humoristas e programas humorísticos. Na verdade, os milhares de clientes da Lunar Embassy sabem o que estão fazendo, e compram uma escritura de um lote na Lua para entrar na brincadeira ou para recompensar Hope pelo que consideram uma "ideia brilhante". Tudo com animus jocandi, a não ser pela susceptibilidade a fraudes dos incautos.
Hope diz que na ventriloquia, o boneco lhe ensinou uma lição valiosa: "Você pode dizer o maior absurdo do mundo às pessoas, se emendar um sorriso ao fim de suas palavras". Hope mantém um escritório em Nevada, onde tudo funciona segundo os conformes profissionais, desde o atendimento telefônico à remessa da "escritura". A única diferença aos padrões da moda, é o título do cargo. Em vez de se atribuir o cargo de chief-executive, ele escolheu um título mais apropriado: chief-cheese(queijo-chefe).
Atualmente, qualquer pessoa pode adquirir um lote na Lua por apenas US$ 24, o mesmo preço a décadas. O preço assim se discrimina: US$ 19,99 pelo custo do lote, US$ 1,51 pelo imposto territorial planetário e US$ 2,50 pela colocação do nome do feliz proprietário na "escritura".
Se a lei não tem previsões para punir o negócio "esperto" de Hope, o "Tratado do Espaço Sideral da ONU (Outer Space Treaty) tem brechas que podem ser exploradas, diz Hope. Por esse documento, a ONU declarou que nenhuma nação, por apropriação, deve ter soberania ou controle sobre qualquer corpo celeste". Em lugar algum, a ONU proíbe indivíduos de possuir qualquer planeta, Hope concluiu após discutir o assunto com seus advogados.
Hope cumpriu sua obrigação. Enviou uma carta a ONU, com uma consulta oficial sobre sua intenção de assumir a propriedade da Lua e perguntando se haveria algum impedimento jurídico ou político. Como a ONU nunca respondeu a sua carta, ele assumiu que a resposta era "não". Na pior das hipóteses, a ONU deixou de contê-lo em seu ousado projeto por omissão.
No planeta Terra, 197 países têm dispositivos jurídicos que autorizam cidadãos privados a reivindicar a propriedade de terras sem donos — ou sem os devidos registros em cartório — sem fazer qualquer pagamento a quem quer que seja. Por isso, ele assumiu a propriedade da Lua, oficialmente. Hope admite que as regras são duvidosas. Mas se são duvidosas, ele pergunta, por que os Estados Unidos e o Japão têm planos para estabelecer colônias na Lua?
Por isso, Hope expandiu seus negócios. Hoje, conforme declarou no documentário, ele tem a propriedade da Lua, de Marte, de Vênus e de Mercúrio. E se considera o homem mais rico do mundo. Algumas pessoas o chamam de trapaceiro, malandro, charlatão, mas ele se defende, dizendo que faz seus negócios honestamente. "As pessoas que vendem lotes na Lua, sem ter a propriedade dela, esses sim são criminosos", ele afirma no documentário. Mas ele considera trapaceiros, malandros e charlatões alguns de seus parceiros internacionais, os franqueados, de quem ele esperava mais honestidade.
Aliás, os únicos problemas que já teve até hoje nesse mundo dos "espertinhos" foram com seus franqueados que, obviamente, também são "espertinhos". Na Holanda, ele foi obrigado a processar um franqueado que lhe aplicou um golpe. Mas o processo foi rejeitado na Justiça. O juiz argumentou que seu tribunal não tinha jurisdição sobre a Lua. Ele desistiu do processo. No Canadá, uma franqueada lhe aplicou um golpe de US$ 1 milhão, e desapareceu no mundo — ou na Lua, não se sabe. Até hoje ele não manifestou intenção de processar a parceira canadense.
Na Irlanda, um outro vendedor americano de lotes na lua, o não tão bem-sucedido "empresário" Barry McArdle, foi preso nos anos 1970 e levado a um tribunal por policiais que concluíram que ele devia estar fazendo alguma coisa errada. O juiz, perplexo, decidiu que "desde que nenhuma nação pode reivindicar propriedade da Lua, seu tribunal não tinha jurisdição sobre o assunto e rejeitou a ação. McArdle se saiu bem por outro lado. Escreveu um livro, que foi um grande sucesso, com direito a autógrafos em livrarias, com o título: "Eu vendi a Lua". Parte do sucesso do livro se deve ao fato do autor haver descrito, com muita propriedade, os tempos de "sexo, drogas e rock-and-roll" na Califórnia, nos anos 1960.
Outras pessoas já foram à Justiça por causa de questões planetárias, segundo a Wikipédia. Adam Ismail, Mustafa Khalil and Abdullah al-Umari, três cidadãos do Iêmen, processaram a Nasa pela invasão de Marte. Eles alegaram que herdaram o planeta de seus ancestrais há 3 mil anos, com base na mitologia sabaica. Gregory W. Nemitz emitiu uma multa de estacionamento proibido, também contra a Nasa, porque a nave NEAR Shoemaker pousou no asteroide 433 Eros, de propriedade de sua empresa, a Orbital Development.
Quanto a Hope, ele também teve problemas, por pelo menos dois dias, com outro empreendedor interplanetário de imóveis americano, que se declarou dono do Sol. O empreendedor lhe mandou e-mails seguidos, durante os dois dias, cobrando uma conta de US$ 30 milhões por ano pela energia solar consumida pelos planetas de Hope. O empresário pensou e encontrou uma solução. Mandou um e-mail de volta, mandando cancelar o serviço de fornecimento de energia solar. "Pode desligar tudo. Eu não preciso de sua energia solar", ele disse, conforme contou no documentário.
O dono do Sol não fez um curso de negócios nos Estados Unidos, onde se aprende o que é essencial para se abrir uma empresa. Segundo as recomendações do curso, uma das primeiras coisas que deve ser feita, ao abrir uma empresa, é "contratar um advogado". Como o dono do Sol não tem um contrato com o dono da Lua e dos outros planetas, sua pretensão de receber a conta por consumo de energia solar não tem qualquer proteção jurídica.
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Fonte: João Ozorio de Melo - Consultor Jurídico |
quarta-feira, 13 de março de 2013
Americano fica milionário vendendo lotes na Lua, sem problemas com a Justiça
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