Em conclusão, o Plenário, por maioria, denegou habeas corpus impetrado — em favor de condenados a regime integralmente fechado pela prática de estupro (CP, art. 213, c/c os artigos 29 e 71) — com base em suposto vício de representação. Na espécie, discutia-se: a) a ilegitimidade ativa do Ministério Público, dado que a pretensa vítima não ostentaria a condição de pobre, razão pela qual a ação deveria ser de iniciativa privada; e b) inconstitucionalidade da antiga redação do art. 225, § 1º, I, e § 2º, do CP (“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família ... § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação”), visto que a legitimidade para agir em nome de vítimas pobres seria da Defensoria Pública — v. Informativos 506 e 537. Inicialmente, registrou-se que a impetração discutiria questões concernentes ao mérito da causa, cujo deslinde dependeria do exame acurado do conjunto probatório, inexequível nos limites do writ. Destacou-se que a particularidade de a vítima ter constituído advogado não elidiria a sua alegada pobreza, porquanto existiriam advogados a atuar pro bono. Obtemperou-se que a ausência de recursos financeiros seria prova de fato negativo, difícil de comprovar. Citou-se jurisprudência da Corte no sentido de que nos crimes contra os costumes, caracterizada a pobreza da vítima, a ação penal passaria a ser pública condicionada à representação, tendo o Ministério Público legitimidade para oferecer a denúncia (CP, art. 225, § 1º). O fato de a vítima ter à sua disposição a Defensoria Pública estruturada e aparelhada não afastaria a titularidade do parquet. Precedente citado: RHC 88143/RJ (DJe de 8.6.2007).
HC 92932/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.3.2013. (HC-92932)
Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia, de ofício, a ordem. Aduzia a ilegitimidade do Ministério Público para a propositura da ação, a configurar constrangimento ilegal a alcançar a liberdade de ir e vir dos pacientes. Pontuava ser diverso o que retratado no Código Penal daquilo previsto no art. 4º da Lei 1.060/50 (“A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”). Acrescentava ser conflitante a situação em que a vítima se declarara pobre e constituíra advogado, somado à circunstância de não ter provado seu estado de insuficiência.
HC 92932/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, 7.3.2013. (HC-92932)
A 2ª Turma concedeu habeas corpus para determinar que Ministro do STJ aprecie writ lá impetrado e julgue como entender de direito. No caso, juízo criminal deferira medida cautelar de busca e apreensão, a pedido do parquet, para que este obtivesse elementos materiais e de convicção referentes à suposta prática dos crimes previstos nos artigos 203 e 337-A, do CP, e artigos 1º, I, a IV, e 2º, I e II, da Lei 8.137/90. Os delitos diriam respeito ao pagamento de comissões indevidas a empregados de pessoas jurídicas, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias. A defesa, então, impetrara habeas corpus no TRF para anular a referida medida cautelar. Alega-se falta de justa causa em face da ausência de constituição definitiva do crédito tributário. Sustenta-se, ainda, violação ao princípio do juiz natural em razão de prevenção, uma vez que juiz de outra vara criminal já teria apreciado suposta sonegação fiscal previdenciária perpetrada nos autos de processo trabalhista ajuizado em desfavor de empresa da qual o paciente seria sócio. A ordem fora concedida parcialmente, apenas para que fossem devolvidos, ao paciente, os documentos não compreendidos durante o período de investigação. Na sequência, impetrara-se habeas corpus no STJ, liminarmente indeferido pelo relator por falta de risco à liberdade de locomoção do paciente.
HC 112851/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.3.2013. (HC-112851)
Preliminarmente, por maioria, conheceu-se da impetração, vencido o Min. Teori Zavascki não dela não conhecia. Advertia que a utilização de habeas corpus em cascata e como sucedâneo de recurso ordinário substituiria de modo universal as vias ordinárias, bem como tornaria letra morta a possibilidade de recurso previsto constitucionalmente. No mérito, prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator. Consignou que o Plenário da Corte reiteradamente assentara que o aludido remédio teria como escopo a proteção da liberdade de locomoção e seu cabimento disporia de parâmetros constitucionalmente estabelecidos, a justificar-se a impetração sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Seria inadequado o writ quando utilizado com a finalidade de proteger outros direitos. Afastou a assertiva de que habeas corpus seria o meio próprio para tutelar tão somente o direito de ir e vir do cidadão em face de violência, coação ilegal ou abuso de poder. Rememorou que o habeas corpus configuraria proteção especial tradicionalmente oferecida no sistema constitucional brasileiro.
HC 112851/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.3.2013. (HC-112851)
Entendeu cabível o writ quando se discutir, efetivamente, aquilo que a dogmática constitucional e penal alemã denominaria Justizgrundrechte. Explicou que essa expressão seria utilizada para se referir a elenco de normas constantes da Constituição que teria por escopo proteger o indivíduo no contexto do processo judicial. Reconheceu não ter dúvidas de que o termo seria imperfeito, uma vez que, amiúde, esses direitos transcenderiam a esfera propriamente judicial. Assim, à falta de outra denominação genérica, também optou por adotar designação assemelhada — direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo —, embora consciente de que se cuidaria de denominações que pecariam por imprecisão. Não olvidou as legítimas razões que alimentariam a preocupação com o alargamento das hipóteses de cabimento do habeas corpus e, com efeito, as distorções que dele decorreriam. Contudo, observou que seria mais lesivo, ante os fatos históricos, restringir seu espectro de tutela. Ressaltou que, no presente caso, a liberdade de ir, vir e permanecer do paciente não se encontraria ameaçada, ainda que de modo reflexo. Afinal, a impetração se dirigiria contra ato de ministro do STJ que não conhecera de habeas corpus impetrado naquela Corte. A questão subjacente, porém, seria a validade do ato consubstanciado na concessão de medida de busca e apreensão, deferida pelo juízo. Afirmou que, segundo os impetrantes, a medida padeceria de ilegitimidade, em síntese, por falta de justa causa e por violação do princípio do juiz natural. Na perspectiva dos direitos fundamentais de caráter judicial e de garantias do processo, reputou cabível a utilização do writ no caso em apreço, porquanto, efetivamente, encontrar-se-ia o paciente sujeito a ato constritivo, real e concreto, do poder estatal.
HC 112851/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.3.2013. (HC-112851)
O Min. Celso de Mello acresceu que a decisão emanada do STJ cominaria por frustrar a aplicabilidade e a própria eficácia de um dos remédios constitucionais mais caros à preservação do regime de tutela e amparo das liberdades. Aludiu que estaria preocupado com a abordagem tão limitativa das virtualidades jurídicas de que se acharia impregnado o remédio constitucional do habeas corpus, especialmente se se considerar o tratamento que o STF dispensaria ao writ. O Min. Ricardo Lewandowski acrescentou que, além das questões constitucionais suscitadas — a falta de justa causa para a cautelar e a incompetência do juízo que determinara a medida com violação do juiz natural —, haveria um terceiro tema que seria a ofensa ao princípio do colegiado, já que o relator no STJ julgara o mérito da referida ação mandamental monocraticamente. Vislumbrou haver reflexo quase que imediato no direito de ir e vir do paciente.
HC 112851/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.3.2013. (HC-112851)
Nenhum comentário:
Postar um comentário