terça-feira, 6 de julho de 2010

Violência sexual na África do Sul

Em tempos de Copa do Mundo, as atenções se voltam à África do Sul, país cujo povo alegre anima os estádios com suas vuvuzelas. No entanto, pouco tempo antes do início dos jogos, em meio a toda euforia, a ministra sul-africana das Mulheres, Juventude e Pessoas com Deficiências, Noluthando Mayende-Sibiya, fez um discurso inflamado na Cidade do Cabo. O objetivo era um só: advertir que o governo não toleraria episódios de violência sexual.
No Brasil, também não temos muito o que celebrar sobre esse tema. Não existem estatísticas nacionais sobre o índice do crime de estupros, mas se utilizando das estatísticas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, projetadas para a população brasileira, e tendo em conta que somente 10% dos casos de estupro são notificados, teremos número próximo de 100 mil estupros por ano. Conforme a Associação Nacional de Ouvidores.
O crime de estupro, dado sua natureza, na maioria das vezes não tem testemunhas e é muitas vezes cometido por um conhecido próximo da vítima, o que torna a prevenção algo muito difícil.
A militante histórica do partido de Nelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (CNA), Mayende-Sibiya, anunciou uma série de medidas contra a violência sexual, que envolvem mudanças na própria configuração dos espaços urbanos. Dentre as medidas, estão: iluminação e limpeza dos locais potencialmente perigosos, campanhas de vigilância comunitária, policiamento preventivo, e criação de centros para acolher e cuidar de vítimas.
Também foi anunciada a construção de um parque no local em que foi encontrado, em janeiro, o cadáver decomposto de Masego Kgomo, no distrito de Soshanguve, a 45 km de Pretória, a capital administrativa da África do Sul. Aos 10 anos, ela foi sequestrada, torturada, estuprada e assassinada por um grupo de jovens negros. Segundo a polícia, uma sangoma, curandeira tradicional, teria estimulado o ataque.
Um relatório publicado pela ONU em 2002, com dados de 50 países, apurou que a África do Sul é o país com o maior índice de estupros. Logo depois vêm Canadá, EUA, Nova Zelândia e Suécia. É preciso cautela ao analisar esse tipo de dado: eles podem significar, por exemplo, que as mulheres desses países podem se sentir mais à vontade para dar parte na polícia, o que no geral não é verdade, pois grande parte dos estupros não chegam nem a virar notitia criminis.
Uma pesquisa patrocinada pelo próprio governo sul-africano mostrou que, em 2007, houve 75,6 estupros por grupo de 100 mil habitantes - cinco vezes o registrado na cidade de São Paulo. Nos 12 meses contados a partir de abril de 2008, foram mais de 70 mil queixas de crimes sexuais, aumento de 10,5% em relação ao período anterior.
Calcula-se que sejam muito mais, pois é comum que as vítimas de estupro se recusem a registrar o fato. Segundo a organização não-governamental Pessoas contra o Abuso de Mulheres, apenas um em cada nove estupros na África do Sul é denunciado à polícia. Entre eles, apenas 7% terminam em condenação.
Índices mais chocantes dão conta de um estupro a cada 30 segundos no país, ou 1,2 milhão de estupros por ano. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, com base em entrevistas com 1.738 homens, aponta que um em cada quatro homens das Províncias de KwaZulu-Natal e do Cabo Oriental estaria envolvido em agressões sexuais, entendidas como sexo não consentido ou tentativa.
Rachel Jewkes e Naeema Abrahams, pesquisadoras do Grupo de Gênero e Saúde do Conselho de Pesquisa Médica, em Pretória, relatam o descaso da polícia com o crime de estupro: "Quando, apesar de tudo, as denúncias são feitas, não é raro a polícia, em troca de uns trocados, 'perder' documentos e laudos que comprovam o crime".
Os assaltos a residências vêem acompanhados com os estupros das mulheres. A situação de impunidade, dizem as pesquisadoras, também facilita o surgimento das gangues de jovens que estupram e matam, que ficaram tristemente famosas na Cidade do Cabo no final do século 20. Mais do que na vítima, o foco dos agressores está nos cúmplices. A observação do ato funciona como rito de iniciação à vida adulta.
Em Gauteng, Província onde ficam Johannesburgo e Pretória, somente 17,1% das queixas de estupro resultam em julgamento -e apenas 6% em condenação. A leniência oficial termina por desencorajar novas denúncias, num círculo vicioso de impunidade.
É comum a própria polícia abandonar o caso, em geral, por deficiência na investigação. Em 78,4% das queixas, segundo o estudo "Tracking Justice" (Acompanhando a Justiça), feito a partir de boletins de ocorrência, o policial nem sequer pediu à vítima que descrevesse o agressor. Em 52,3% dos casos, o agressor jamais foi localizado.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Bashir Hoosain, diretor-geral de Segurança e Proteção da Província do Cabo Oriental, admite que há problemas na coleta de provas e no trato com as vítimas. "Temos procurado aproximar a polícia da comunidade (...)", diz ele. "O número de mulheres policiais também cresceu."
Outro problema é que grande parte dos estupros ocorre dentro de casa. Há dois anos, o estudo "Tracking Justice" mostrou que em 25% dos casos o responsável é parente, namorado ou ex-namorado da vítima. Casos como o de Letta Majas, 39, moradora da favela de Alexandra, em Johannesburgo, são comuns. "Toda sexta, meu namorado ia direto do trabalho para o bar", conta ela. "Chegava em casa às 23h, querendo sexo. Um dia, eu recusei, porque não queria dividir a cama com um bêbado de cerveja. Ele respondeu que era porque eu estava saindo com outro homem. Me jogou contra uma parede, me chutou e me estuprou."
Em Johannesburgo, há dezenas de "casas seguras" para mulheres como Letta, que não podem voltar para casa - ou serão estupradas. Em Alexandra, a Bombani Safe House funciona atrás de muros altos e arame farpado. A preocupação é com a privacidade de suas "clientes". Mais do que um eufemismo, a nomenclatura é uma tentativa de reduzir o estigma da vítima.
O problema é tão alarmante no país da Copa que outra medida é tomada contra os estupros constantes, como a invenção de Sonnet Ethlersm que se assemelha a um diafragma comum (anel de látex), mas tem pequenos ganchos e dentes que perfuram o pênis em eventual contato. O diafragma dentado é vendido no país por cerca de dois dólares.
diafragma
Sonnet Ethlersm e sua invenção para impedir estupros
Portanto, insta repensar as razões criminológicas do crime de estupro conforme cada contexto social, adotando os poderes públicos locais medidas eficazes que coadunem prevenção com preservação dos direitos fundamentais da pessoa acusada. Ademais, a sociedade e a polícia têm de assumir efetivamente a responsabilidade do combate a este terrível crime, além de manifestarem o apoio integral às vítimas dessa violência.
Fonte: Folha de São Paulo

Um comentário:

Anônimo disse...

Apoio total à essa ideia, pois esses cafagestes não podem ficar impunes. Já que as vítimas não se pronunciam, pelo menos agora seus agressores sentirão "na pele" o que é mais ou menos o que fazem com as vítimas. Esse diafragma deveria ser vendido no mundo todo. Acho que isso ajudaria a reduzir esses números alarmantes de estrupos e deixaria os agressores receosos em relação ao seu "material".

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