De acordo com a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, existem 3 tipos de internação: – voluntária: com o consentimento do usuário; – involuntária: sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; – compulsória: determinada pela Justiça.
Tanto a internação voluntária como a involuntária devem ser autorizadas por médico com competência para avaliar a real necessidade de tal intervenção em cada caso. Já a internação compulsória é determinada pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e dos funcionários.
Do ponto de vista médico, psicológico e sociológico, a opção pela internação voluntária nas dependências químicas é sempre preferível à involuntária, pois conta com a colaboração do paciente para o tratamento, respeita suas opções e o coloca como protagonista ativo de um processo que usualmente requer várias etapas para sua efetivação, sendo que a internação é apenas uma pequena parte dele. Este protagonismo é fundamental em todo tratamento das dependências, pois inverte a ideia de que o usuário passivamente se deixa levar até uma inexorável escravidão provocada unicamente pelos efeitos deletérios de uma substancia química qualquer. Não devemos esquecer que o uso da droga em si é mais um fator no intrincado quebra-cabeças dos elementos que culminam na dependência química: a personalidade, os efeitos biológicos das drogas e o contexto sociocultural no qual está inserido o indivíduo dependente. A internação involuntária ou a compulsória marginaliza o indivíduo, que se vê privado de seu direito básico de escolha sobre o tratamento a que deseja ser submetido.
A questão do crack, que invade nossas ruas, chegando a atingir esferas sociais antes pretensamente protegidas, em nenhum momento deve ser subestimada em relação à gravidade de sua disseminação pela nossa sociedade. O que se passa é que, no desespero ao se buscar alternativas para uma questão complexa, a internação acena como uma possibilidade que conforta momentaneamente, produzindo uma falsa sensação de que nossos pacientes estão seguros atrás dos muros de uma instituição de tratamento, longe dos riscos que nossas ruas oferecem. O tratamento não acaba na internação (e também raramente deve começar por ela, já que pode produzir a falsa sensação de que o tratamento se reduz a esta intervenção). Ele é um processo que necessita que o indivíduo esteja na vida para poder tomar decisões, fazer escolhas que transcendam o consumo de substâncias. A internação compulsória produz ainda um viés bastante complicado na atualidade. Segundo Haroldo Caetano da Silva, promotor de justiça de Goiás, a legislação atual provoca algumas distorções, como, por exemplo, famílias que, ao não conseguir internação pelo sistema de saúde, recorrem ao Ministério Público, o qual, por sua vez, provoca o juiz e este determina a internação. Esta maneira de forçar a internação gera todo um processo ilegal que mantém pessoas em locais onde não deveriam estar. Neste sentido, as famílias, sem seguir orientações quanto às alternativas dadas para o tratamento, recorrem ao judiciário para fazer valer uma alternativa contrária às orientações médicas.
O conceito de cuidado utilizado pelo Ministério da Saúde (MS) relaciona-se ao de rede pública ampliada, com intervenção simultânea nos fatores clínicos – dependência e condições psíquicas dos usuários – e sociais, como vulnerabilidade e fragilidade dos laços de pertencimento à família, à escola, ao trabalho, ao lazer e à comunidade. O MS tem estimulado a criação, segundo as diversidades locais, de redes que incluam o Caps-AD, pequena unidade de internação curta em ambiente de hospital geral, hospedaria ou casa de passagem e centro de convivência. Além disso, tem estimulado a intensa articulação com a atenção básica e com as redes de proteção social e de cidadania (assistência social, juizado de infância e juventude, defensoria pública, serviços culturais, rede escolar etc.).
A diversificação do cuidado não se trata apenas de separar o usuário do consumo ou tratar a intoxicação pela droga, mas protegê-lo da situação de vulnerabilidade e ajudá-lo a reconstruir alternativas que possam assegurar experiência de dignidade, promover um processo paulatino de reinserção em sua comunidade de origem e oferecer melhores perspectivas diante da vida.
Valéria Lacks
Médica psiquiatra. Coordenadora da Unidade de Psiquiatria do Hospital Estadual de Diadema.
LACKS, Valéria. O mal uso da internação voluntária para dependentes químicos. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 211, p. 01-02, jul., 2010.
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