domingo, 25 de julho de 2010

Direito de defesa ameaçado

A questão polêmica sobre a permissão de escutas nas conversas entre preso e defensor virou manchete principal da Folha de São Paulo (FSP) no dia 22/06/10.
Segundo a reportagem da FSP, existe um relatório elaborado pelo próprio governo que admite a instalação de equipamentos de gravação nos parlatórios, locais em que se realizam as conversas entre advogados e presos, em quatro penitenciárias federais do país.
Inclusive tal foi encontrado em pelo menos um caso, no presídio federal de segurança máxima de Campo Grande (MS), em que o governo gravou conversas entre os detentos e os profissionais que os defendem.
Os defensores dos direitos humanos e das garantias individuais se manifestaram, defendendo que a medida é inconstitucional, porque a Constituição assegura a inviolabilidade dessas conversas, para o exercício livre e pleno do direito de defesa.
De outra parte, o Ministério Público Federal investiga a instalação de equipamentos também nos locais para encontros íntimos da penitenciária.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, questionou a possibilidade do uso dos aparelhos para gravação indiscriminada.
Para o advogado Ives Gandra Martins, a instalação de escutas pode trazer um grave problema: permite fazer a gravação antes e pedir autorização à Justiça depois.
Em documento à OAB, o Ministério da Justiça alega que os equipamentos são voltados para "segurança" e "inteligência" e que o uso não faz parte da rotina das penitenciárias. Ocorreu em "caráter excepcional" e com "autorização judicial".
O editorial da Folha, do dia 26/06/10, debateu o tema: “Pode o Judiciário autorizar escutas das conversas entre presos e seus advogados?”.
Alberto Zacarias Toron, Doutor em Direito pela USP, advogado e ex-presidente do IBCCRIM, foi taxativo ao dizer que o sigilo dessas conversas é essencial para o Estado de Direito. “(...) O dever de sigilo imposto a profissionais como advogados, médicos, psicólogos e sacerdotes resguarda a intimidade do cliente. No caso específico dos advogados, porém, há algo tão ou mais importante do que isso: a própria correção da administração da Justiça está em causa. Em outras palavras, o direito ao devido processo legal não se realiza se não houver liberdade e segurança na privacidade da conversa, de modo que o investigado ou acusado possa se manifestar com franqueza e sem temores, o que, convenha-se, é essencial ao pleno exercício do direito de defesa. (...) Sobre o tema, o Tribunal de Primeira Instância da União Europeia afirmou: ‘O princípio da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui um complemento necessário ao pleno exercício dos direitos de defesa’, pois ‘responde à exigência de que todo cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado’.”, defende Toron.
Por outro lado, Ricardo de Castro Nascimento, juiz federal, e presidente da Ajufesp - Associação dos Juizes Federais de SP e MS e vice-presidente para a 3° Região da Ajufe - Associação dos Juizes Federais do Brasil, defende que não há problema em existir as escutas, desde que a gravação seja previamente autorizada por um juiz competente.
Segundo ele, “(...) O problema não está na existência dos equipamentos, mas no seu uso sem autorização judicial. Façamos um paralelo com as escutas telefônicas: elas são permitidas por lei e só podem ser realizadas por ordem judicial. As escutas clandestinas é que são ilegais. Nessas hipóteses, é preciso apurar a origem da gravação clandestina e punir os culpados, mas isso não pode servir de pretexto para questionar a existência do sistema de gravação. (...) O poder público tem o direito e o dever de dispor de toda a tecnologia permitida pela legislação para combater a criminalidade, mas isso não significa que irá usá-la indiscriminadamente.”.
O juiz federal relata um caso de Mato Grosso do Sul, no qual a possibilidade de ouvir a gravação da conversa entre o detento e advogado, permitiu as autoridades policiais descobrirem um plano para seqüestrar o filho do Presidente. É um fato que pode justificar a violação de uma garantia constitucional? Cabe ao Judiciário determinar quando pode ou não ser violado? A existência das escutas em si já viola o direito de defesa?
Para responder esses questionamentos, não podemos esquecer do nosso passado antidemocrático e de torturas, passado que nos assombra. A solução para a segurança pública não está na instalação de um Estado policialesco. Razão assiste ao jurista Miguel Reale Júnior quando afirma que “o preço da liberdade é o eterno delito”.

IBCCRIM.

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