Presídios lotados, aumento do número de reincidentes, penas alternativas pouco usadas e gastos demais para sustentar essa máquina falha. Não, esse não é o retrato do Brasil. Os problemas atormentam também o Reino Unido e, para acabar com eles, o secretário de Justiça britânico, Kenneth Clarke, propõe uma reforma de base na Justiça inglesa.
A ideia inicial é cortar os gastos com o Judiciário, medida necessária para ajudar a Inglaterra a se reerguer da crise econômica que assolou a Europa nos últimos anos. Se tudo caminhar como pretende o governo, o corte é na própria carne: serão fechados 157 tribunais pelo país.
A Inglaterra e o País de Gales têm atualmente 530 cortes de Justiça. Dessas, 330 são Magistrate’s Courts, espécie de Juizado Especial; 219 são County Courts, o equivalente britânico aos tribunais estaduais; e 91 Crown Court Centres, que cuidam dos processos criminais e são onde acontecem os júris. Estes últimos não sofreriam corte. A proposta do governo é eliminar 103 Magistrates’ Courts e 54 County Courts.
Antes de usar a tesoura, no entanto, o Ministério da Justiça abriu uma consulta pública para tentar medir o impacto do corte nos jurisdicionados. As repostas ao questionário disponível no site do Ministério e distribuído em algumas instituições da comunidade jurídica podem ser enviadas para o governo até 15 de setembro pelo correio ou por e-mail.
A justificativa prática e imediata para o corte proposto, de acordo com o secretário de Justiça, é a economia. Segundo dados apresentados por ele, o fechamento dos quase 160 tribunais vai poupar 21 milhões de libras esterlinas (quase R$ 56 milhões) para os cofres públicos de uma vez só e outros 15,5 milhões (R$ 41,1 milhões) ao ano, que eram gastos com a manutenção dos tribunais.
A proposta, no entanto, vem carregada de uma mudança ideológica de toda a Justiça no país. De acordo com o secretário britânico, a quantidade de Tribunais de Justiça no país não reflete os tempos modernos. As distâncias hoje não são mais mesmas de antigamente, quando o transporte era feito a cavalo. Com o transporte público eficiente, cada pequeno povoado não precisa ter um tribunal próprio para que o acesso à Justiça fique garantido.
Além disso, Clarke observa que muitos tribunais, em prédios históricos, estão mal conservados e poucos adaptados para o que os tempos modernos exigem. Alguns não têm segurança adequada, outros oferecem pouco espaço para testemunhas e familiares das partes e há ainda aqueles que não são acessíveis para deficientes físicos, enumera. Tudo isso mais o necessário corte no orçamento levaram à proposta de eliminar pouco mais de um terço das cortes britânicas.
Novos tempos
A redução do tamanho da Justiça é só um primeiro passo para a reforma pela qual deve passar o Judiciário inglês nos próximos anos. De acordo com o secretário, a ideia é mostrar ao cidadão que a tecnologia, em muitas casas, ajuda a resolver um conflito sem que ele precise se deslocar a alguma corte.
O governo também estuda uma redução na assistência judiciária. A Inglaterra gasta hoje 38 libras esterlinas por cidadão (cerca de R$ 100). Metade do orçamento de assistência judicial da Justiça Criminal vai para apenas 1% dos casos criminais. Os números são assustadoramente altos se comparados com outros países europeus citados pelo secretário britânico. Na França, o gasto é de 3 libras por pessoa e, na Alemanha, 5.
Outro ponto de ataque é estudar formas de incentivar a aplicação de penas alternativas. Segundo o secretário, a população carcerária do país dobrou nos últimos 20 anos. Hoje, há mais de 85 mil presos no país. Clarke observa que a punição de um criminoso não pode ser baseada no custo para o país, mas sim nos princípios de retribuição, reflexo do dano ao público e prevenção de futuros crimes. Mas não dá para ignorar que custa mais manter um prisioneiro por um ano do que mandar um jovem estudar num colégio britânico caro, diz.
O secretário levanta a discussão que atormenta a Justiça criminal mundo afora: a cadeia reduz o número de criminosos? De acordo com ele, é nítido que crimes contra a propriedade caíram, mas a causa é o maior rigor nas penas ou a melhoria das condições econômicas da população?
Clarke observa que, muitas vezes, a prisão pode ter efeito contrário: o condeado por um crime simples aprende com outros na cadeira e sai de lá um profissional. Dados do governo mostram que quase metade dos condenados mandados para a prisão comete outro crime no primeiro ano da sua libertação. Mais da metade dos crimes na Inglaterra e País de Gales são cometidos por pessoas que já estiveram presas.
A proposta mais ousada para mudar esse quadro é pagar associações independentes para ajudarem a reduzir o número de reincidência no crime. A essas associações caberia ajudar o egresso do sistema penitenciário a se reinserir na sociedade, com emprego, casa e o que mais for necessário.
O governo também vai estudar melhoras na fixação das penas. A ideia é aprimorar a progressão de regime de cumprimento das punições. Além disso, valorizar a aplicação de penas alternativas. Neste ponto, juízes devem ser ouvidos. Fora o fechamento das cortes, já aberto para consulta pública, a segunda parte da reforma da Justiça inglesa deve ser mais bem detalhada em meados deste semestre, quando os cidadãos ingleses serão convocados para opinar.
Clique aqui para ler a proposta de fechamento de cortes apenas na cidade de Londres, em inglês.
Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2010.
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