terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Artigo: A execução da pena privativa de liberdade (final)

Encerro a publicação em série das propostas apresentadas pela Comissão para Aprimoramento da Individualização da Pena no Sistema Penitenciário do Estado do Paraná. O texto final foi aprovado em 24/11/2008, na Secretaria de Estado da Justiça e encaminhado às autoridades responsáveis pelos programas e gerenciamento do setor.

O objetivo da divulgação foi o de ampliar o conhecimento do assunto para muito além dos órgãos da Administração Pública direta ou indiretamente envolvidos na questão penitenciária. Na iniciativa privada, mas exercendo funções de relevo público, estão outros trabalhadores que em suas atividades específicas podem contribuir para reduzir as deficiências crônicas do sistema (economistas, advogados, sociólogos, psicólogos, jornalistas, empresários, professores, religiosos, etc.). A dignidade da pessoa humana, o respeito aos direitos do preso, o devido processo legal e a segurança pública, são alguns dos muitos princípios e interesses constitucionalmente proclamados, porém ainda pendentes de efetivação em um número infinito de situações. Daí o traço de união que deve existir entre o público e o privado, estabelecendo-se parcerias transitórias ou eventuais.

Considerando a oportunidade e o relevo das proposições, devo renovar a menção dos nomes dos membros da Comissão, cujas atribuições constam do primeiro texto da série. São eles: Carlos Henrique Licheski Klein, Roberto Antonio Massaro, Christine Kampmann Bittencourt, Vera Lúcia Silano dos Santos, Joe Tennyson Velo, Honório Olavo Bortolini, Flávio Lopes Buchmann e Lauro Luiz de Cesar Valeixo. O grupo de trabalho foi formado por decisão conjunta do Desembargador Jair Ramos Braga, Secretário de Estado da Justiça e Cidadania e do Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador José Antônio Vidal Coelho.

Esse repertório de bom senso, fruto de experiência fecunda, é uma semeadura que deve gerar bons frutos. Hoje, amanhã ou depois, apesar da frustração histórica a partir da Carta Política do Império (1824), que declarava: "As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réos, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes" (art. 179, XXI).

Segue-se a reprodução literal das últimas propostas da Comissão.

"PROPOSTA PARA O COMPLEXO MÉDICO-PENAL

15. Interiorização dos exames decorrentes dos incidentes de insanidade mental, firmando convênios com a Secretaria de Estado da Segurança Pública para utilização dos seus quadros.

JUSTIFICATIVA: Não se vislumbra razão para o deslocamento, p. ex., de um preso provisório de Foz do Iguaçu à Curitiba, para a realização de um exame mental.

A região oeste do Estado, assim como região norte, pela densidade demográfica, localização geográfica, importância econômica, etc., já autorizam a criação de outros centros médicos, aptos para realizarem referidos exames e mesmo o respectivo tratamento, se necessário.
16. O Governo do Estado, via Secretaria de Estado da Saúde, implemente serviço residencial terapêutico para os egressos do Complexo Médico-Penal, em liberdade vigiada, abandonados ou rejeitados pelas respectivas famílias.
JUSTIFICATIVA: Ao egresso de medida de segurança que necessita de um acompanhamento terapêutico permanente, ainda que em regime ambulatorial, é contra-indicada a permanência em regime de internação.

PROPOSTAS PARA O PODER JUDICIÁRIO

17. Criação da 3.ª e 4.ª Vara de Execução Penal em Curitiba.

JUSTIFICATIVA: O significativo crescimento do número de vagas na capital, certo que 50% do total das vagas está sob jurisdição de apenas duas Varas de Execução, atualmente assoberbadas e, brevemente, sem condições de atender de forma eficiente aos benefícios requeridos.
Convém lembrar que, não fosse a elevação do número de vagas, a alteração da lei dos crimes hediondos, possibilitando a progressão, por si só, representa acréscimo significativo no número de benefícios e, ao contrário de outras serventias, o término do processo não se vincula, necessariamente, a celeridade da prestação jurisdicional.

18. Criação de cargos de assessor jurídico para todos os juízes das Varas de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios, em conta a complexidade e volume de trabalho existente nas respectivas varas, cuja proposta deve ser viabilizada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
JUSTIFICATIVA: Todas as varas de execuções penais tiveram significativo acréscimo de trabalho, sem que haja estrutura para responder pela demanda.

A assessoria jurídica, ao par do reconhecimento, importa em significativa melhoria na celeridade da prestação jurisdicional, possibilitando ao magistrado multiplicar a produtividade, na medida em que contará com pessoa qualificada para pesquisa de questões jurídicas e elaboração de despachos de expediente.

19. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deve envidar esforços para que o Departamento de Informática viabilize o programa necessário para que as Varas de Execuções Penais possam cumprir o disposto no artigo 66, X da Lei de Execução Penal, emitindo, anualmente, o atestado de pena a cumprir.

JUSTIFICATIVA: A lei determinar é motivo suficiente mas, a principal reclamação dos detentos e, portanto, motivo para rebeliões, é a falta de informação, seja quanto ao tempo de pena por cumprir, seja quanto aos benefícios em andamento, razão também suficiente para que a medida seja aprovada.

20. O Tribunal de Justiça deve, da mesma forma, envidar esforços para viabilizar meios necessários para a realização das inspeções mensais obrigatórias nas Unidade Penais, conforme Resolução 47 do Conselho Nacional de Justiça, com segurança.

JUSTIFICATIVA: A judicatura nas Varas de Execuções Penais é atividade de risco, merecendo, portanto, atenção e cuidados mínimos com relação à segurança.

21. O Tribunal de Justiça deve realizar estudo nas Varas de Execuções Penais do Paraná, visando quantificar as necessidades em termos de Servidores e Oficiais de Justiça, hoje em número reduzido, o que prejudica a celeridade e a qualidade da prestação jurisdicional. Sugere-se, desde logo, a contratação emergencial de pelo menos dois novos Servidores para cada uma das Varas de Execuções Penais.

JUSTIFICATIVA: O número insuficiente de servidores compromete a qualidade dos serviços e de informações que são registradas pelas Varas de Execuções Penais (p. ex. mandados de prisão, antecedentes, etc.), retardando a prestação jurisdicional, sobrecarregando Magistratura e Ministério Público, além de comprometer a segurança da sociedade e propiciar a responsabilidade civil da Administração Pública.

22. A Corregedoria-Geral da Justiça, com o auxílio das Varas de Corregedoria dos Presídios, deve exercer assídua fiscalização quanto ao item do Código de Normas que determina que seja lançado no mandado de prisão o prazo da prescrição.

JUSTIFICATIVA: Mandados de prisão sem prazo de validade importam em cumprimento de ordens de prisão indevidas, mobilizando polícia e judiciário, ocupando vaga no sistema penitenciário, quando a pena já se encontra extinta, sem olvidar a possibilidade de demanda reparatória. Logo, a fiscalização deve ser rigorosa.

Considerando que a Vara da Corregedoria dos Presídios recebe os mandados de prisão para registro, tão logo o faça, deve comunicar à Corregedoria da Justiça quanto aos juízos que vem expedindo o mandado sem lançar a data da prescrição, devolvendo-os à origem para a necessária complementação.

PROPOSTAS PARA A SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA CIDADANIA

23. Criação de um programa de metas e a realização de inspeções semestrais nas Unidades Penais, encaminhando relatório ao Juízo da Corregedoria dos Presídios e Juízo da Execução e Ministério Público, com eles promovendo encontros, partilhando informações e planejando ações, tudo devidamente documentando em atas de encontros regionais.

JUSTIFICATIVA: A troca de informações e experiências deve ser ferramenta permanente de aperfeiçoamento das instituições, de forma que partilhar com a Magistratura e Ministério Público as dificuldades e propostas de soluções permite que os problemas de ambos sejam conhecidos e que a troca de informações e experiências melhore a condição de todos os envolvidos.

24. As Unidades Penais do Estado devem ter a necessária segurança externa, impedindo fugas como as recentemente ocorridas, bem assim exercendo severa vigilância nos arredores do Complexo Penitenciário de Piraquara visando impedir o acesso de drogas, bebidas alcoólicas e armamentos.

JUSTIFICATIVA: Não demanda outras considerações.

25. Instituir uma Comissão Permanente de Aprimoramento da Execução da Pena e Individualização, convidando para dela participar um representante do Ministério Público Estadual, um representante da Ordem dos Advogados do Brasil, além de Juízes, representante do Conselho Penitenciário Estadual, representante do Departamento Penitenciário Estadual e Diretores de Unidades Penais, reunindo-se semestralmente ou por convocação extraordinária do Secretário ou do Presidente.

JUSTIFICATIVA: O aperfeiçoamento do Sistema Penitenciário exige atenção contínua, com alternância de membros e, conseqüentemente, novas idéias e novas formas de ver e identificar os problemas existentes, servindo como referência para diretores das unidades penais, da Escola Penitenciária ou qualquer interessado em melhorar a qualidade do Sistema Penitenciário.

REGISTRO FINAL

Importa ressaltar, num primeiro momento, que as propostas aqui apresentadas representam a manifestação do pensamento de todos os membros da Comissão instituída, de forma conjunta, pelo Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Cidadania e pelo Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça e, antes de constituírem crítica ao atual estado de coisas, são o reconhecimento da intenção de melhorar o sistema penitenciário paranaense.

Estas propostas não traduzem um excesso de zelo pelos direitos do preso na medida em que não se pretende implantar políticas assistencialistas, ao contrário, apenas que se estenda a mão ao homem que a sociedade quer que o preso se torne, para que ele possa caminhar com as próprias pernas.

Convém lembrar que a legislação brasileira não contempla pena de morte ou prisão perpétua, razão pela qual todos os presos devem, um dia, retornar ao convívio social em melhores condições do que no momento do seu ingresso no sistema penitenciário.

As propostas foram aprovadas por unanimidade dos membros, determinando o Senhor Presidente que uma cópia da presente ata seja encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Governador, ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Justiça e da Cidadania, ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça, ao Excelentíssimo Senhor Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Paraná, aos Excelentíssimos Magistrados das Varas de Execução Penal, ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Estado do Paraná, bem assim aos representantes do Ministério Público das Varas de Execução Penal, aos ilustríssimos diretores das unidades penais do Estado do Paraná.


René Ariel Dotti é advogado. Professor Titular de Direito Penal na Universidade Federal do Paraná. Co-redator do anteprojeto que se converteu na Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84). Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 11/01/2009.

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