terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Artigo: Castração química e laranja mecânica

O filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), do consagrado direto Stanley Kubrick, inspirado no livro de mesmo título de Anthony Burgess (1962), que apesar de ser da década de 1970, era futurista e preconizava a vida como seria ou deveria ser no ano 2000.

Dentre erros e acertos dessa previsão, Kubrick deixa claro que viveríamos em uma sociedade muito mais violenta que a da época.

Nesse filme há o jovem Alex, que após ser preso e para ser solto mais rápido, concorda em se submeter a um tratamento que consistia em assistir cenas de violência (roubos, estupros, guerras) e ingerir uma substância que provocava enjôo.

Dessa forma, quando Alex pensava em delinqüir, um forte enjôo lhe dominava e ele se tornava incapaz de cometer tal delito.

Nos dias atuais, com o avanço da tecnologia, da medicina e da indústria farmacêutica, o filme de Kubrick talvez tenha deixado de ser uma mera ficção.

Está sendo desenvolvido um tratamento químico que abstrai a vontade de um potencial estuprador de violentar uma mulher. É a chamada castração química.

Essa castração funciona se o problema do acusado for psíquico e não físico ou biológico. De acordo com o professor Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, 50% dos presos teriam distúrbios psicológicos.[1] Logo, ,poderiam se beneficiar desse tratamento.

No entanto, se a pessoa sofre desse distúrbio psíquico, ela é incapaz de decidir se aceita o tratamento ou não. Assim, esse tratamento não seria ilícito?

Segundo, ainda, Junqueira, existem médicos que já fornecem aos seus pacientes medicamentos que diminuem a libido. Não estariam, então, os mesmos agindo de forma a beirar a ilegalidade?

E mais, diz a Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso XLVII: Não haverá penas: ´e`: cruéis; e inciso XLIX: é assegurado aos presos à integridade física e moral. Então não seria esse tratamento inconstitucional?

Analisando a culpabilidade como fundamento da punição, existem 3 sub-princípios do Nulla poena sine culpa, que são:

1º - Ninguém pode ser punido mediante responsabilidade objetiva.
2º - Ninguém pode ser puído sem que seja censurável. Somente é censurável se a pessoa podia agir de modo diverso. O tratamento retira da pessoa seu livre arbítrio, a liberdade de auto determinar-se, o “ser” e o “dever ser” da filosofia de Emannuel Kant[2].

3º - As pessoas somente são punidas pelo o que fazem, não pelo o que são.[3] Nesse caso é nítido que o tratamento consiste em punir o que as pessoas são e não o que fazem, vez que tentam prevenir algo no futuro, algo que ainda não aconteceu.

Em suma, esse tratamento, por retirar do homem a possibilidade da escolha, tirar do homem o livre arbítrio, o mesmo é desumano. Provém de uma política criminal autoritária, que na busca cega de maiores prevenções para um todo, enfraquece princípios constitucionais/ penais e diminui garantias[4].

No filme, quando Alex, “tratado”, é posto em liberdade, incapaz de cometer qualquer crime, o mesmo se torna incapaz também de viver em sociedade. Um impostor rouba seu lugar de filho em sua família, é torturado por ex-colegas de “guangue”, e linchado por mendigos. Isso prova que é necessário um mínimo de capacidade de praticar violência para se viver em sociedade, nem que seja para legítima defesa.

No caso da castração química, além dos efeitos colaterais de crescimento do mamilo e do fígado[5], sem a libido o sujeito de certo será impotente e estéril.

Portanto, já que a vida copiou a arte, ou melhor a ficção, e criou esse tratamento, talvez tenhamos que analisar o final do filme, que não teria sido exatamente um final feliz. Creio que o nosso não divergirá.

Americana, 1º de outubro de 2008.

[1] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Causas excludentes da culpabilidade, aula da pós graduação do curso de ciências criminais do LFG, dia 23.09.2008.

[2] KANT, Emannuel, disponível em http://www.kant.org.br/modules/mastop_publish/?tac=Moral%2C_direito_e_passagem_entre_ser_e_dever_ser%3A_d.

[3] GUARAGNI, Fabio André, A culpabilidade como fundamento da pena, aula da pós graduação do curso de Ciências Criminais do LFG, dia 09.09.2008.

[4] ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da, A função da moderna política criminal, aula da pós graduação do curso de Ciências Criminais do LFG, dia 12.08.2008.

[5] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Op. Cit.


Renan Nogueira Farah, Advogado criminal graduado pela Puc Campinas em 2007; Pós graduando em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, através do IBCCRIM, sexta turma; Pós graduando em Ciências Criminais pelo LFG - unidade de Americana SP.

FARAH, Renan Nogueira. Castração química e laranja mecânica. Disponível em: www.ibccrim.org.br. Acesso em: 20 jan. 2009.

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