sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Quadrilha e Criminalidade de Empresa na mira de especialista

Na terça-feira, a advogada e doutora em Direito Penal pela USP Heloisa Estellita
lançou o livro "Criminalidade de Empresa, Quadrilha e Organização Criminosa".
Nesta entrevista, exclusiva para o PORTAL IBCCRIM, ela mostra por que é difícil combater o crime organizado.

PORTAL IBCCRIM - Como e por que você escolheu o tema do livro?

HELOISA ESTELLITA - Antes de mais nada, é um prazer e uma honra ser entrevistada pelo IBCCRIM. A escolha do tema foi puramente reflexo do acompanhamento de casos, seja atuando profissionalmente, seja como curiosa da jurisprudência, nos quais chamava a atenção a imputação cumulativa do crime de quadrilha em crimes econômicos, algo antes bem incomum. E isso se intensificou sobremaneira após a decisão do STF que vedou o processamento de ações penais em crimes tributários quando ainda pendente de decisão final a demanda administrativa. A freqüência da imputação parecia servir, por um lado, de via oblíqua para contornar o trancamento da ação penal nos crimes tributários e, de outro, para se conseguir a prisão temporária ali onde ela normalmente não seria cabível.

PORTAL IBCCRIM - O movimento internacional surgido na ONU (Organização das Nações Unidas) - que culminou na elaboração da Convenção sobre o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) - impulsionou vários países a legislar ou alterar legislação no âmbito do crime organizado. O que aconteceu no Brasil, em decorrência da Convenção de Palermo?

HELOISA ESTELLITA - De fato, como abordado no livro, a Convenção de Palermo levou alguns países a legislar domesticamente sobre a matéria, quer por meio da criação de um conceito legal de “organização criminosa”, quer pela instituição de um tipo penal próprio. Tanto é assim que as próprias Guidelines elaboradas pela comissão que elaborou a Convenção recomendam aos países signatários que transponham as normas da Convenção para seu direito interno, por meio dos instrumentos legislativos adequados. No Brasil, isto ainda não aconteceu.

Que critérios foram seguidos para a redação e edição dos textos do livro "Criminalidade de Empresa, Quadrilha e Organização Criminosa"?

O trabalho, que era, na verdade, para ser um mero artigo, e que foi tomando corpo, ou “engordando” como gosto de dizer, está dividido em duas partes. Na primeira, trata da quadrilha; na segunda, da organização criminosa. Ambas as partes com abordagem propositadamente desenvolvida sob a ótica da criminalidade de empresa. A segunda parte, especificamente, destina-se, com sinceridade, a perquirir acerca da existência ou não de um conceito de organização criminosa em nosso direito positivo. Por isso, a bibliografia que se encontra ao final do livro é aquela que foi consultada, mas que só foi citada na medida em que oferecesse uma resposta direta às questões, bastante objetivas, citadas no livro. Aproveito para dizer que há inúmeros trabalhos fantásticos ali indicados, servindo de um ótimo guia para quem deseje se aprofundar.

Você comenta em seu livro que o tema da criminalidade econômica e dos crimes praticados no exercício de atividade empresarial desafia situações e classificações? Por quê?

Porque a atividade empresarial, tema bastante contemporâneo, desafia diversas formas de prática de delitos a ela ligados: crimes praticados por funcionários contra a empresa; crimes praticados no exercício da atividade empresarial e a empresa formada pura e simplesmente para servir à prática de crimes. A classificação era relevante porque este pequeno trabalho toma em consideração somente estes dois últimos aspectos.

Você acha que a prática da abertura de “empresas ilícitas”, sociedades empresariais formadas para a prática de crimes, geralmente econômicos, está se generalizando no país?

Não conheço alguma pesquisa de campo no tema para poder fazer uma afirmação dessas de forma segura. Posso dizer que pela minha experiência isso sempre existiu. E sempre foi punível também.

E quanto ao resto do mundo? Esta é uma prática comum? O crime organizado extrapola as fronteiras, a ponto de termos uma “globalização do crime organizado”?

Algumas espécies de práticas criminosas econômicas possuem hoje recursos para transbordar fronteiras e algumas até pressupõem essa transnacionalidade para sua consumação. Esse fenômeno se deve, é evidente, ao incremento da informática e da tecnologia da informação. Nesse sentido, sim, acho que se pode falar em globalização do crime organizado, mas de uma forma menos romântica e “hollywoodiana” do que alguns pensam.

Você afirma no seu livro que “a criminalidade de empresa não se confunde, ainda, com o tema da organização criminosa”. Pode explicar melhor essa afirmação?

Porque quando se fala em criminalidade de empresa, ou seja, em uma empresa lícita que acaba praticando crimes no exercício de sua atividade econômica, não se pode afirmar que tenha sido estruturada hierarquicamente e de forma permanente para ter como atividade fim a prática de crimes, requisitos estes comumente exigidos pelo crime organizado, embora, quero destacar, não tenhamos um conceito legal de crime organizado em nosso direito positivo.

Você conclui, em sua análise, que a imputação da prática de crime econômico contra quatro ou mais pessoas não configura, ipso facto, a imputação da imputação do crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal). Por quê?

Justamente por causa da gênese do grupo: se é para a prática de crimes, dá-se quadrilha; se é para o desenvolvimento de atividade econômica, podemos ter concurso eventual de agentes. Claro que há o caso da empresa que, de formada para desenvolvimento de atividade lícita, passa a servir somente à prática de crimes, nesse momento ela passa a ser a empresa ilícita, quando surge a quadrilha.

Heloisa Estellita
Advogada. Doutora em Direito Penal, USP. Mestre em Direito, UNESP. Professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (GVlaw). Professora do curso de Mestrado do IDP (Brasília). Autora do livro “Tutela penal das obrigações tributárias na Constituição Federal” (RT) e de diversos textos publicados em revistas e obras coletivas.


IBCCRIM.

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