quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Artigo: Análise crítica da progressão do regime prisional

Com grande satisfação li o artigo do amigo contemporâneo da faculdade de Direito e eminente juiz de direito auxiliar das Execuções Criminais de São Paulo, Sérgio Mazina Martins (Boletim IBCCRIM 48/07). A execução penal e, especialmente, a progressão do regime prisional, no Brasil, são temas pouco abordados pelos doutrinadores e operadores do Direito. Daí a relevância do texto que defende a Lei nº 7.210/84, cuja ênfase é a necessidade de respeito à progressão do regime prisional, sem a necessidade da criação de obstáculos ao preso que não estejam contidos na lei ou que exacerbem um critério racional para a progressão.

Embora concordando com muitas das observações apresentadas no artigo "Aspectos Jurisdicionais da Progressão de Regime Prisional", entendo devam ser feitas críticas construtivas às idéias apresentadas, sobretudo porque o cumprimento de pena vai muito além do aspecto jurisdicional e deve estar acompanhado de outros elementos sociais (...e psicológicos, econômicos, materiais, morais, etc.) que vão possibilitar um cumprimento de pena digno.

A obra de Raúl Cervini, Os Processos de Descriminalização (Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed.), é incisiva no fato de que há um fracasso da ideologia do tratamento ressocializador. A chamada ressocialização não passa do discurso, acabando a pena por ter um caráter meramente retributivo. Conclui o autor que: "...o custo da estrutura institucional que lida com o delito é alto, muito alto e irracional, pelo simples fato de que o sistema real opera em sentido totalmente contrário aos objetivos declarados" (p. 65).

O direito penal, sob a ótica da execução da pena, reza em cartilha diversa dos anseios da sociedade. Esse conflito opressivo em torno do sistema penal é tristemente curioso, pois revela que a sociedade quer penas rigorosas, quer soluções para os problemas dos "presidiários", mas, ao mesmo tempo, quer distância destes cidadãos que só podem demonstrar condições de retorno condigno ao convívio social se encontrarem algum respaldo da sociedade e do Estado.

A Lei nº 7.210/84 é adequada ao País desde que sejam criados os estabelecimentos penitenciários na forma preconizada pelo legislador. A defesa do texto legal, sem uma crítica severa aos poderes públicos que não viabilizam um sistema penal funcional, resvala no velho dilema da pena que, efetivamente, tem por principal característica o caráter retributivo.

O aspecto jurisdicional da lei jamais pode estar dissociado dos aspectos sociais, porque o sistema penal é problema de toda sociedade, que pouco compreende os aspectos jurídicos e suas filigranas, mas anseia por mecanismos eficazes de cumprimento da pena. O art. 35, § 1º, do Código Penal, por exemplo, estabelece que: "O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar." É cediço que o indivíduo de índole urbana não deve ser colocado em colônia agrícola, pelo simples fato de que nunca ordenhou vacas, nunca plantou, jamais colheu a produção agrícola, enfim, ao ser colocado no IPA estará em instituto prisional distante da sua realidade anterior à prisão. A lei fala em estabelecimento similar, o que permitiria amplo debate e criação de um estabelecimento capaz de trazer o sentenciado à realidade do País, estimulando a uma atividade compatível com a sua realidade sócio-econômica e cultural, sendo dever do Estado observar a vigilância noturna, isolamento durante o repouso noturno e o trabalho em comum durante o período diurno.

A afirmação de Sérgio Mazina de que "não se há de recusar a progressão de regime apenas porque ainda resta longa pena a ser cumprida" merece reservas. Se o sistema é baseado na progressão, não se justifica que o sentenciado que aguarda diversas outras decisões (imaginando-se que já tenha sido condenado em primeira instância) faça a progressão e, depois de alguns dias, regrida para regime mais gravoso. Nessa situação, o sentenciado não terá uma noção exata da gravidade dos atos anteriormente praticados e sentir-se-á prejudicado com a regressão quando dava demonstrações claras de sentimento de ressocialização. Do mesmo modo, a sociedade não compreenderá porque indivíduo tão perigoso, foi submetido a regime com insignificante fiscalização. A execução penal deve ter critérios de razoabilidade que sejam compreendidos tanto pelo sentenciado como pela sociedade.

Defender o requisito temporal em sua singeleza é nocivo ao sistema penal porque reduz a questão à aritmética, quando, na verdade, o problema maior reside na necessidade do envolvimento da sociedade com o egresso, com a família do sentenciado, com a criação de estabelecimentos prisionais modernos, criativos.

É inquestionável que as penas privativas da liberdade em instituições subumanas devam ser imediatamente revistas, cabendo aos operadores do Direito Penal evitar ao máximo a pena aviltante, a segregação pura e simples. Nesse sentido, o texto de Sérgio Mazina Martins é valioso para a discussão do problema que necessita de soluções a curto, médio e longo prazos e vai além dos aspectos jurisdicionais.


Antônio Celso Campos de Oliveira Faria, Promotor de justiça em São Paulo e professor de Direito Penal da Universidade Paulista (Unip).

FARIA, Antonio Celso Campos de. Análise crítica da progressão do regime prisional. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.53, p. 04, abril 1997.

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