sábado, 13 de setembro de 2008

Mudança de foco na luta contra as drogas

Enfatizar a prevenção do consumo de drogas, tanto quanto se faz com relação à produção e o tráfico, foi a proposta consensual apresentada pela Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia durante a sua segunda reunião, realizada em Bogotá, nos dias 4 e 5 de setembro.

O encontro, codirigido pelos ex-presidentes de Brasil e Colômbia Fernando Henrique Cardoso e César Gaviria - líderes internacionais da Comissão, juntamente com Ernesto Zedillo, ex-presidente do México -, teve enfoque na comprovada ineficácia da "guerra contra as drogas" declarada há dez anos pela ONU, cuja essência foram as políticas proibicionistas. Ou seja: repressão da produção e criminalização do consumo.

"A realidade é que o mundo não debate sobre a eficácia da luta contra as drogas. Parece haver o consenso de que a eficácia da luta de fato não é alta, mas também de que não devemos mudá-la", critica Gaviria, exprimindo a necessidade de um novo paradigma sobre como o mundo deve encarar a problemática das drogas de agora em diante.

Esse novo paradigma, segundo a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, deve fortalecer o princípio de corresponsabilidade, no sentido de que os países consumidores assumam um papel muito mais ativo que o de liderar políticas internacionais de combate à produção e tráfico de drogas longe de suas fronteiras.

Entrevistado pela imprensa local, Fernando Henrique Cardoso afirmou que "é claro que a produção e o tráfico devem ser contidos, combatidos; mas o consumo está aumentando em quase todos os países, e os países mais ricos não tratam de buscar alternativas".

O comandante da Polícia Nacional da Colômbia, general Óscar Naranjo - convidado a participar do encontro - ressaltou que os países consumidores devem passar da retórica para a prática, e acrescentou que um âmbito no qual eles devem atuar é o do tráfico dos precursores químicos necessários para produzir as drogas. Tais substâncias são fornecidas justamente por estes países desenvolvidos e consumidores de drogas.

Um dos maiores estudiosos do tema no mundo, o norte-americano Ethan Nadelmann, fundador e diretor executivo da Aliança de Políticas de Drogas, concorda que a maneira com a qual se enfrenta hoje o desafio das drogas tem sido totalmente ineficiente (Leia artigo de Nadelmann no link abaixo). Ele exortou os formadores de opinião da América Latina a assumir um papel mais ativo neste tema.

"Observem as evidências. Só na última década, os Estados Unidos sozinhos gastaram bilhões de dólares, encarceraram milhões de pessoas, apreenderam toneladas de drogas ilícitas e erradicaram - de forma direta ou indireta - centenas de milhares de hectares, tanto na América Latina quanto dentro das suas próprias fronteiras. Em um esforço para justificar tudo isso, os funcionários do governo americano apontam para uma diminuição do número de pessoas que admitem ser consumidoras de cocaína ou maconha. Com isso, ignoram de forma cínica a evidência de que persiste um grave abuso de drogas e outros problemas ligados a elas: mortes por overdose, novas contaminações por HIV e Hepatite. Isso sem falar dos danos sociais e de saúde associados à guerra antidrogas, que estão em níveis muito mais elevados do que aqueles que se observam em outros países industrializados", diz Nadelmann. Ele acrescenta que no Peru, Bolívia e Colômbia não se podem mostrar resultados contundentes quanto à redução de cultivos ilícitos como se fossem conseqüência dos programas patrocinados pelos EUA, já que cada vez que baixam os níveis de cultivo em um país, estes níveis aumentam em outro.

Legalização: o ponto nevrálgico

Legalizar ou não legalizar? Este foi o dilema. Embora os participantes do encontro estivessem de acordo no tocante à necessidade de haver muito mais campanhas de prevenção do consumo de drogas e a que estas devem ser vistas como um problema de saúde pública, a Comissão ainda não chegou a um consenso sobre a despenalização ou não do consumo. Esta é uma tese defendida pela maioria, mas com a qual os representantes da Colômbia não parecem sentir-se muito confortáveis.

Ainda que não descarte totalmente a possibilidade de respaldar uma iniciativa de descriminalização do consumo, César Gaviria tampouco a defende, por considerá-la ineficiente: "Por que os americanos metem na prisão os seus consumidores? Porque suas estatísticas indicam que os assaltos são feitos para comprar drogas, ou porque os assaltantes estão drogados. Os europeus, por sua vez, implementam uma política que acompanha o consumidor com programas de 'redução de danos' e de saúde. No entanto, aqui não podemos ficar com a tese de despenalização do consumo. Ficaríamos na metade do caminho se não a complementássemos com uma política que dê uma solução para os viciados", afirma.

Contudo, um sinal de que Gaviria não se afasta da descriminalização do consumo foi o fato de que, durante a realização do encontro, manifestara seu desacordo com a proposta do atual presidente do seu país - Álvaro Uribe - de derrubar a lei colombiana que autoriza o porte de drogas para uso pessoal, existente há mais de uma década.

Durante todo o evento, o ex-presidente Cardoso insistiu que se deve penalizar a produção e não o consumo. Por sua vez, o antropólogo Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio, propôs promover a participação dos jovens neste tipo de debate, reforçando uma abordagem do ponto de vista do consumidor e de maneira preventiva, tendo em conta sobretudo o aumento notório do consumo de drogas tradicionais e sintéticas na América Latina.

De acordo com Fernandes, a postura dos adultos de permitir, por um lado, o consumo de álcool ou cigarro e reprimir o de maconha ou cocaína é ambivalente para os jovens, que percebem essas normas como ilógicas - feitas para serem burladas. "Deve-se promover o autocontrole entre os jovens, oferecer-lhes informação qualificada e implementar uma política de drogas que faça sentido para a juventude", diz.

A postura definitiva da Comissão deverá ser consolidada na próxima reunião, na Cidade do México, em fevereiro de 2009. Em seguida, será apresentada mundialmente na reunião da Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas, a ser realizada em março de 2009 em Viena, na Áustria.

Matéria traduzida por: Bernardo Tonasse

Comunidade Segura.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog