quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Artigo: Reflexões sobre uma cadeia primitiva

Trabalhar com o Sistema Penitenciário é muito complicado, as mentes são muito fechadas (tanto do lado repressor quanto o lado reprimido), Os problemas são inúmeros e muito graves, tem horas que fica difícil ter esperança e acreditar em alguma melhoria para um futuro próximo. O índice de reincidência é quase de 100%, o nível sócio-econômico é muito baixo assim como o nível cultural/educacional e, além disso, a dependência química dos apenados é monstruosa e devastadora. Já ouvi correntes que afirmam que não é possível fazer cadeia no Brasil sem a presença de entorpecentes, que cadeia sem droga é loucura, e isso me deixa completamente atordoado.



Somo todas estas informações e muitas vezes volto de Bangu totalmente desanimado, sem conseguir realmente ver um futuro nisso tudo. Por vezes tento encontrar uma resposta em vão, porém, existem exemplos de superação incríveis que nos enchem de otimismo e que contrariam tudo o que foi citado acima. É isso que nos dá forças para continuar a jornada e não "jogar a toalha".



Com dois projetos no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro desde 2006, as experiências e impressões que tenho tido e vivido não são poucas. É um emaranhado de problemas e situações que vale muito a pena debater, não no intuito de seguir a linha da denúncia, mas sempre buscando as soluções junto à sociedade e autoridades.



Tenho a visão de que a melhor forma de se combater a violência não é comprando armas nem contratando mais policiais, mas sim trabalhando com o criminoso identificado, tentando mudar a cabeça desse cidadão através da educação e do trabalho em conjunto. Já é notório que apenas prender e depois de anos soltar não adianta nada, pelo contrário, apenas se potencializa a violência com o passar dos anos.



Tenho acompanhado diversas saídas nesse meio tempo, poucos realmente conseguem segurar a onda e permanecem firmes e fortes, porém já acompanhei um caso que me deixou muito chateado. O ex-preso tentara arrumar um emprego de todas as formas, bati curriculum pra ele e também acionei todos os meus contatos para ajudá-lo, mas não consegui nada além de promessas furadas. Meses depois, após ter perdido contato com ele, o vi preso novamente e isso me doeu muito.



Nas penitenciárias do Estado podemos constatar como nossa realidade é dura e insustentável, tudo é urgente e pouco se sabe sobre como agir. A cadeia da forma como é usada é algo muito primitivo (para se ter uma idéia, existem cadeias que já foram senzalas originais e que são utilizadas da mesma forma) e tenho certeza de que não resolvem em nada nossos problemas.



No meio desse caminho consegui apoios muito interessantes, com ajuda do músico e amigo Marcelo Yuka e do delegado e também amigo Orlando Zaccone (52 DP) criamos a Ong B.O.C.A. – Brigada Organizada de Cultura Ativista, e estamos tentado organizar forças para cuidar desse universo abandonado.



Com Zaccone aprendi que o conceito de ressocialização é algo ultrapassado, pois como podemos ressocializar um cidadão que talvez nunca tenha sido socializado? Zaccone defende a idéia de "redução de danos", que seria uma forma de compensar tudo que o cidadão que hoje se encontra na condição de preso, não teve na sua infância/juventude, e que provavelmente essa ausência deve ter contribuído e muito para este se encontrar em tal situação atualmente.



Hoje tenho a visão de que é preciso também pensar no guarda, no agente penitenciário e não só no preso, que a cabeça desse servidor também tem que ser trabalhada e que a sociedade é um corpo e todos dependem de todos, ao contrário do que fazemos na prática, quando separamos um setor do outro e focamos num lado e esquecemos totalmente do outro.



É preciso que a sociedade enxergue o preso como seu patrimônio e que precisamos cuidar desse nosso patrimônio, um dia, todas aquelas pessoas estarão na rua e é preciso fazer algo, acompanhar cada um a fim de que essa pessoa não volte pior do que ela entrou, é necessário o apoio de todos nessa luta. Dizem que o preso custa entre 700 e mil reais, porém se custa isso mesmo, na prática vemos que não está sendo suficiente essa verba, que é preciso muito mais que isso.



Não existe estrutura suficiente hoje para ocupar todos os presos do Sistema com trabalho e educação, não podemos crucificar o Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) que é uma secretaria que não tem nem uma década, na realidade o Seap tem se mostrado muito aberto para todo tipo de iniciativa e projeto e isso é realmente muito bom, porém precisamos de mais pessoas com bravura para encarar o desafio.



Acho que cada Ong deveria adotar uma penitenciária, que o Ministério da Cultura e o Ministério do Trabalho deveriam olhar com mais carinho para o Sistema e a sociedade como um todo também, que a questão das drogas deveriam ser debatidas com mais amplitude e que essa guerra contra os entorpecentes não está dando resultados positivos da maneira como tem sido executada desde então, que a política de confronto só traz mais baixas e que o distanciamento social tem se tornado uma fonte infinita de violência.



Trabalhar a mentalidade do preso não é fácil, mas não adianta mudar o preso e o Sistema se não mudarmos a mentalidade das pessoas aqui fora.



É preciso repensar tudo.



Que tenhamos sempre força para suportar a pressão.



*Rafael Kalil coordena os projetos Oficina do Disco e Caravana Liberdade de Expressão em presídios do Rio de Janeiro.

Comunidade Segura.

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