segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo: O perito oficial e sua habilitação técnica

A competência do engenheiro e médico do trabalho, para elaboração de laudos periciais, foi estabelecidas por legislação específica há trinta anos.

Todavia, constata-se, pela práxis, a não observância dessas disposições legais, especialmente em comarcas onde não existem peritos oficiais e os Juízos necessitam recorrer às Delegacias Regionais do Trabalho para realização de perícias. Constumeiramente vêem-se laudos – particularmente os referentes a crimes comissivos por omissão – confeccionados por médicos do trabalho, legalmente incompetentes em relação à segurança laborativa. Esta inabilitação foi reconhecida pela 19ª Câmara do TACrimSP, no julgamento em 11.8.94, da Ap. nº 798.823-1, sendo relator o Juiz Osmar Bocci, por votação unânime. O acórdão acolheu parecer do Procurador de Justiça, Paulo Hideo Shimuzi, que consignou – entre várias fundamentações que abordavam outras questões relativas à queda e morte de operário de edifício em construção – ter sido a perícia "realizada por um médico da Delegacia Regional do Trabalho, quase dois anos após os fatos, sem habilitação técnica para a inspeção relativa a normas de segurança do trabalho (art. 2º, II, letras "b" e "c", do Dec. 55.841/65)", concluindo que ante o princípio do livre convencimento, "essa prova técnica não poderia mesmo ser levada em conta para fim de ensejar a condenação dos acusados".

Essa abalizada e apropriada manifestação, reveste-se, por outra angularidade, de grande valia, eis que esses aspectos, envolvendo laudos periciais, têm sido praticamente olvidados. Destarde, cremos ser oportuno salientar-se a legislação pertinente, destacando-se, além do Decreto referido, a Norma Regulamentadora (NR) nº 1 (emanada do então Ministério do Trabalho e Previdência Social, através da Portaria nº 3.214, de 8.6.78, ainda vigente), que estabelece no item 1.4.1: "Compete, ainda à Delegacia Regional do Trabalho - DRT - nos limites de sua jurisdição" (...) "e) atender requisições judiciais para a realização de perícias sobre segurança e medicina do trabalho nas localidades onde não houver Médico do Trabalho ou Engenheiro de Segurança do Trabalho, registrados no MTb." Observando o Decreto 55.841/65, que provou o Regulamento da Inspeção do Trabalho, constatamos em seu art. 2º: "São autoridades competentes, no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, sob a Supervisão do Ministério do Trabalho e Previdência Social" (sic): "II - De execução, os Agentes de Inspeção do Trabalho, a saber: a) Fiscais do Trabalho; b) Médicos do Trabalho, quando no efetivo exercício de funções de inspeção da higiene do trabalho; c) engenheiros, quando no efetivo exercício de funções de inspeção da segurança do trabalho;" (...). Este "efetivo exercício de inspeção da higiene do trabalho" do médico compreende os riscos de ambiente, entendidos como as condições inseguras relativas ao ambiente de trabalho capazes de ocasionar doenças profissionais, contaminantes ambientais (desde que possuam liame com o procedimento laborativo), necessitando o médico, conhecimentos especializados sobre enfermidades ocupacionais ("doenças particularmente relacionadas aos perigos do trabalho") e suas "complexas bases etiológicas", higiene, nutrição, toxicologia, disfunções emocionais, métodos de avaliação ambiental, seus fatores e riscos, entre outras informações científicas especializadas (Hugh Leavell e Gurney Clark, Saúde Ocupacional, em Medicina Preventiva, p. 455 e segs., Ed. McGraw-Hill). Em relação ao engenheiro do trabalho, o "efetivo exercício na inspeção da segurança", abrange os riscos de operação, que são as circunstâncias inseguras referentes ao processo operacional, compreendendo sua totalidade, pois o conhecimento especializado deste profissional "deve incluir um entendimento completo dos fatores causais que contribuem para a ocorrência de um acidente" bem como os métodos e procedimentos destinados a evitar ou controlar tais eventos (Scope and Functions oƒ the Professional Safety Position, publicado pela American Society of Safety Engineers, apud Leonídio F. Ribeiro Filho, em Curso para Médicos do Trabalho, vol. 4, p. 1.078, Fundacentro, SP, s.d.).

O próprio senso comum (que encontra reflexo na legislação pertinente) faz distinguir o atuar de um engenheiro e de um médico do trabalho: aquele, não detém os conhecimentos e aptidões técnicas e especiais (Mittermayer) para examinar, diagnosticar, e apurar a existência de nexo entre doença constatada e o ambiente de labor que contaminou a vítima (v.g., silicose, saturnismo, surdez por lesões causadas por ruídos em altos níveis, exposição excessiva à radiação) por haver o empregador ou responsável imediato violado o dever jurídico de impedir o resultado, ou se a afecção provém da poluição ambiental encontrada no sítio da moradia do infelicitado, o que elediria a responsabilidade penal de seus empregadores ou chefes.

Do mesmo modo, o médico do trabalho não possui o saber técnico-científico para, in exemplis, ocorrendo desabamento de prédio com vítimas, analisar o cálculo da estrutura ou fundação encontrada para inferir se houve erro de execução, falha do material aplicado, inexatidão do projeto – o que implicaria na omissão do dever de garantia pelo responsável da obra – ou ocorrência de infelicitas facti, como ataque indetectável da denominada "bactéria do concreto", que destruiu pilares concretados e possibilitou a corrosão interna, com posterior rompimento da estrutura e conseqüente desmoronamento do edifício.

Em outro passo, não se diga que o perito pode contar com uma equipe multidisciplinar que venha a preencher lacunas de seus conhecimentos, o que o habilitaria para atuar em outra área que não a de sua formação profissional: de um lado, nada impede que o expert conte com auxiliares, por outro, em sendo a perícia confiada a técnicos do Estado, peritos oficiais (art. 159 do CPP), estão eles sujeitos à legislação vigente e somente podem realizá-la no âmbito de sua especialização, como já salientado.

Temos pois, que ambos, engenheiros e médico do trabalho, podem elaborar laudos, realizar perícias, entretanto, em estrita conformidade com a legislação específica, o que vale dizer, o médico sobre a higiene (ou medicina) do trabalho, e o engenheiro sobre a segurança do labor. Nem poderia ser de outra forma, vez que, como enfatiza Gonzales Bustamante, para que o perito tenha capacidade pericial, é mister que, afora conhecimento e faculdades especiais, particulares, "possua título na arte ou ciência em que vá formular seu juízo de valor" (Princípios de Derecho Processual Penal Mexicano, p. 356), ou seja, a necessária "habilitação técnica para a inspeção de normas" na esfera onde irá efetuar deduções e interpretações científicas para confecção de peça pericial como assessor técnico da Justiça.

Delegados subscrevem a "Carta de São Paulo"

Os Delegados de Polícia de Carreira, que atualmente exercem a Direção Geral das Instituições em seus Estados, bem como os Presidentes de Entidades de classe de Delegados de Polícia, reunidos nesta Capital do Estado de São Paulo, nos dias 26 a 28 de julho de 1995, após exaustivas exposições e debates, deliberaram adotar, como princípios básicos de ação, as medidas a seguir elencadas:

"1. Promover gestões junto ao Ministério da Justiça para que o projeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil não seja retirado da Câmara dos Deputados, procedendo-se às alterações necessárias no âmbito do Congresso;

"2. Propugnar pela padronização da estrutura básica funcional de todas as Polícias Civis, da denominação dos cargos policiais e dos procedimentos administrativos;

"3. Admitir um sistema de controle externo da atividade policial pela sociedade, nos mesmos moldes do que for exercido sobre os demais órgãos que integram o sistema de administração da Justiça Criminal;

"4. Criar um Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil, com a participação do dirigente do Departamento de Polícia Federal, objetivando a discussão e a busca da solução dos problemas da área de segurança pública;

"5. Otimizar estreito intercâmbio entre as Academias de Polícia, visando o aperfeiçoamento técnico-profissional das Autoridades e demais policiais civis;

"6. Incrementar a circulação de informações entre as Chefias de Polícia, objetivando o combate à delinqüência interestadual e ao chamado crime organizado;

"7. Instituir o Centro Nacional de Estudos de Direito Policial, com o objetivo de desenvolver e divulgar estudos nas áreas de Criminologia, Direito Penal e Ciências Auxiliares;

"8. Incluir na estrutura da Polícia Civil órgão especializado em comunicação social destinado à divulgação da imagem positiva da Instituição, aproximando-a cada vez mais da sociedade."

N.R. - Detalhes do conclave e ampla análise das medidas propostas neste documento, denominado "Carta de São Paulo", serão publicados em um próximo número do Boletim.

Tadeu A. Dix Silva

SILVA, Tadeu Antonio Dix. O perito oficial e sua habilitaçäo técnica. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.32, p. 06, ago. 1995.

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