terça-feira, 9 de setembro de 2008

Artigo: Lei nº 9.099/95: uma nova política criminal

O advento da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, trouxe renovadas esperanças a todos os segmentos da sociedade no sentido de que, enfim, haverá no Brasil uma Justiça Criminal mais célere e acessível. Tal diploma legal, que acolheu parcialmente as sugestões de aperfeiçoamento legislativo emanadas na doutrina (RT 638/393, 618/250, 621/419; revista Justitia do Ministério Público de São Paulo 141/50 e 150/40, entre diversos outros artigos), acabou por produzir um redimensionamento de vários princípios penais e processuais penais, objetivando o máximo resultado na atuação do Direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais. Neste breve espaço, pretendemos comentar dois critérios norteadores da Lei nº 9.099/95: a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, e o escopo da reparação dos danos sofridos pela vítima.

A mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal desponta principalmente nos arts. 72, 74, 76, 88 e 89 da referida lei, onde se verifica a possibilidade de que o representante do Ministério Público não promova a ação penal nas infrações de menor potencial lesivo, ou nos crimes cuja pena mínima cominada for de até um ano. Institutos como a composição dos danos civis, a aplicação de pena de multa ou restritiva de direitos antes da denúncia (art. 76), a exigência de representação nas ações penais relativas aos delitos de lesões corporais leves e culposas e a suspensão condicional do processo (art. 89) relativizaram bastante os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal. A lei ora em análise consagrou o critério da "discricionariedade regulada", na esteira da Constituição Federal de 1988, que permitiu a ocorrência da transação no processo penal (art. 98, I). A partir de agora, admite-se o sobrestamento da persecução penal, em última análise, por motivos de conveniência e oportunidade a serem avaliados pela vítima, pela autoridade policial, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Mesmo antes da Lei nº 9.099/95, já se verificava na prática forense a ocorrência de inquéritos policiais arquivados por razões de oportunidade e conveniência, como no caso de estar decorrido o prazo previsto para a prescrição retroativa, sem que houvesse qualquer elemento indicador de que a pena a ser possivelmente aplicada fosse impedir a extinção da punibilidade, ou no caso de lesões corporais ocorridas entre marido e mulher, após a reconciliação do casal. Agora, o âmbito da discricionariedade na ação penal foi consideravelmente ampliado.

O escopo da reparação dos danos sofridos pela vítima vem estampado no art. 62 da Lei nº 9.099/95, como corolário do instituto da composição dos danos civis acima mencionado. A grande novidade é que, da maneira como o dispositivo legal foi redigido, a reparação dos danos parece ser mesmo mais importante do que a persecução do criminoso ou contraventor, a qual sequer é mencionada no texto. A inserção de tal critério como um dos fundamentos da atuação do Juizado Especial Criminal poderia até servir como base para futuras construções jurisprudenciais que pretendessem ampliar a competência do Juizado Especial para outras infrações cujos procedimentos especiais adotados priorizassem a conciliação e a reparação de danos materiais e morais, como no caso dos crimes contra a honra. Trata-se, evidentemente, de possibilidade remota, só vislumbrável a longo prazo, mas que ainda assim merece ser mencionada.

A mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal e o escopo de reparação dos danos são diretrizes que vêm sendo adotadas em outras legislações, como na recente reforma processual penal italiana e no Projeto de Código de Processo Penal Tipo para Ibero-América. No entanto, examinando-se os critérios norteadores destacados por nós no presente artigo, combinados aos demais dispositivos da Lei nº 9.099/95, chega-se à conclusão de que tal diploma legal inaugura verdadeiramente uma nova fase no processo penal brasileiro, na qual, mais do que priorizar a repressão pura e simples à delinqüência, cedendo invariavelmente a pressões políticas e da mídia (como ocorreu nas Leis nºs 8.072/90, 8.034/95, entre outras), o legislador procurou valorizar a implementação de uma política criminal por parte das autoridades envolvidas na persecutio criminis, as quais terão a partir de agora muito mais liberdade para definir quais infrações devem receber atenção prioritária, e qual deve ser o tratamento concedido a tais infrações, atuando-se efetivamente na prevenção da criminalidade, de acordo com as características e peculiaridades de cada comunidade. Com efeito, o estabelecimento de políticas de prevenção criminal é a única saída que se nos afigura viável para a tormentosa questão da segurança pública. Esta é a nossa opinião; mais que isso, esta é a nossa esperança.

Olavo Berriel Soares
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo

SOARES, Olavo Berriel. Lei n. 9. 099/95 : uma nova política criminal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.35, p. 05, nov. 1995.

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