A privatização do sistema carcerário trata-se da interferência da iniciativa privada na execução da pena privativa de liberdade, fazendo às vezes do Estado, que pelo nosso sistema atual é o único detentor da responsabilidade de executar a pena imposta ao condenado.
O processo de privatização dos presídios no Brasil se deu no ano de 1999 a partir da Penitenciária de Guarapuava, no Paraná, sendo adotado um modelo de gerenciamento terceirizado, no qual a iniciativa privada tinha como atribuição se encarregar dos serviços ditos de hotelaria, quais sejam serviços médicos, ambulatoriais, psicológico, prestação de assistência jurídica gratuita.
Defende-se que a implantação possa resultar menores custos para o Estado com a manutenção dos apenados, bem como poderão ser diminuídos os índices de reincidência, eis que o projeto ressocializador - educação e trabalho - implantado nesses presídios terão bons resultados.
É sabido que o sistema carcerário brasileiro tem passado por inúmeros entraves, sendo exemplo mais corriqueiro a superpopulação dos presídios. Assim, em que pese a Constituição e a Lei de Execuções Penais assegurem aos presos o respeito à integridade física e moral, tais garantias não são efetivamente cumpridas (CORDEIRO, 2006, p.50).
É diante dessas situações que surge assim à ideia da privatização, uma vez que para os defensores da proposta a concessão da administração prisional poderá solucionar todos os problemas vivenciados atualmente, bem como reduzirá gastos do Estado com o setor (CORDEIRO, 2006, p.53-55).
Nos Estados Unidos muitas penitenciárias adotam o sistema descrito, sendo que ao particular é permitida a administração das penitenciárias destinadas a reclusos que cumprem já o final da pena, instituições juvenis e prisões para imigrantes ilegais (ARAÚJO, 1995, p.99).
O modelo de gerenciamento dos serviços penitenciários é o adotado em alguns estados do Brasil, sendo que a participação da iniciativa privada funda-se na celebração de um contrato com o Estado para que se administre um presídio, recebendo como contraprestação determinada quantia pelos serviços prestados.
Os serviços prestados pelo particular são os chamados serviços de hotelaria, sendo eles, alimentação, vestuário, lazer, prestação de serviços de assistência social, psicológica e psiquiátrica, serviços médico-odontológicos, fornecimento de trabalho e educação (CORDEIRO, 2006. p.89).
Em 2013, o estado de Minas Gerais, anunciou um estabelecimento prisional fruto de uma parceria público-privada (PPP) entre o Governo e a Gestores Prisionais Associados (GPA). As empresas associadas ganharam a licitação e garantiram o direito de construir e gerenciar o complexo penitenciário I do município de Ribeirão das Neves, tendo o contrato duração de vinte e sete anos.
São muitas as críticas, considerando que diversos estudiosos do direito afirmam o jus puniendi do Estado não é passível de delegação, bem como eventual delegação ensejaria abusos aos direitos humanos e desviaria das principais finalidades da pena, a ressocialização, pois a pena acabaria atendendo somente os anseios lucrativos sustentando o interesse econômico ao invés da eficiência da gestão na ressocialização do interno (CORDEIRO, 2006, p.82).
Contudo, para muitos não existe impedimento para que a iniciativa privada possa gerenciar presídios no que diz respeito à execução material da pena, sendo que o impedimento restringe-se as atividades jurisdicionais e administrativo-judiciárias (MIRABETE, 1993, p.61-71).
A questão da utilização do trabalho do preso como fonte de lucro para o particular é também um ponto debatido quando o tema é a privatização, eis que tal situação ensejaria lucro com o sofrimento alheio e o grande objetivo das empresas, o lucro, impediria a necessária preocupação com a reinserção social do preso (MINHOTO, 2000, apud FARIA, 2000, p.16-17)
Entretanto, segundo Capez (2002), a privatização não deve ser enfrentada do ponto de vista ideológico ou jurídico, devendo a proposta ser enfrentada como uma necessidade, visando melhorar o déficit de vagas no sistema carcerário, as condições de vida do interno na prisão e da ressocialização do condenado, considerando ainda que as prisões privatizadas são melhores que as condições que o interno vive atualmente nos presídios gerenciados exclusivamente pelos Estados.
Em suma, apesar de muitos doutrinadores considerarem a proposta inconstitucional, em razão de eventual delegação do direito de punir do Estado considera-se que tal fato não acontece, uma vez que o Estado continua detentor do direito de punir o condenado, sendo delegados somente serviços meios que muitas vezes são serviços de assistência ao preso como: alimentação, vestuário, lazer, serviços educacionais.
O trabalho do preso na penitenciária apesar das inúmeras críticas é visto como uma oportunidade para o preso que se livra do enorme tempo disponível, adquire experiência para sua readaptação ao convívio em sociedade, bem como serve para remir tempo da pena imposta.
Outrossim, considerando as experiências vivenciadas no país, percebe-se que a modalidade de terceirização dos presídios, apesar de sofrer pesadas críticas, tem apresentado experiências muito positivas, se considerados os níveis de organização prisional e reincidência.
Destarte, a questão da privatização total ou terceirização dos presídios não pode se esgotar em uma análise breve e sucinta do tema, sendo que o presente apenas apresenta um posicionamento acerca de um tema polêmico.
Naísa Cristina Castanheira Batista é advogada no escritório Mascarenhas Barbosa
Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2015.
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