Como já mencionado em nosso artigo anterior, é insuperável o processo de globalização que estamos vivendo nas últimas décadas, não encontrando eco qualquer forma de ignorar o surgimento de novas tecnologias atingindo as ciências hodiernas. Nesse sentido, o Direito Criminal começa a absorver a tecnologia para promover a Execução Penal como ainda para substituir a prisão cautelar – Lei nº 12.258/2010 – artigo 146-C da Lei das Execuções Penais e inciso IX do artigo 319 da Lei nº 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, em parte.
No nosso sentir, cabe defender que o monitoramento eletrônico, devidamente regulamentado e aplicado dentro dos parâmetros constitucionais e processuais penais, pode ser considerado uma forma de enfrentamento dos problemas carcerários, entre eles, superlotação de todos os presídios do país e desumanização do sistema prisional amplamente divulgado. Repita-se que o sistema consiste na utilização de aparelhos específicos para fiscalizar, a distância, a atividade do condenado ou daquele que ainda é acusado da prática de conduta criminosa.
No que tange à utilização do referido sistema eletrônico, as vozes que ecoam no sentido de que a situação poderia constituir um atentado contra a dignidade da pessoa e, principalmente, por ferir de forma capital o direito fundamental à intimidade, além de superada por parte da doutrina, também restam, peremptoriamente afastadas pela jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Nesse sentido, é a lição de Rogério Greco:
Embora todo raciocínio que tente preservar a dignidade do ser humano seja louvável, não podemos nos esquecer que não existe direito absoluto, a não ser, como se afirma majoritariamente, o direito de não ser torturado ou ser escravizado. Não podemos, ainda, agir com ingenuidade na defesa de certos princípios fundamentais, sob pena de inviabilizarmos qualquer projeto, mesmo os benéficos à pessoa humana. No caso do monitoramento, entendemos que, entre colocar o condenado num sistema falido que, ao invés de ressocializá-lo, fará com que retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade, com toda a certeza, será preferível o seu controle pelo Estado em algum local extramuros, previamente determinado.
No mesmo diapasão, no sentir do emérito Edson Ferreira da Silva:
Sob o aspecto do direito público, os chamados direitos humanos não reclamam simples abstenção do Estado quanto a respeitar e não praticar arbitrariedades contra os direitos fundamentais do homem. Mais do que isso, deve o Estado assegurar a todos, pelos mecanismos do Direito Constitucional e do Direito Penal, livre gozo das liberdades fundamentais. Os órgãos do Estado destinados à condenação da delinquência e da criminalidade, à apuração de responsabilidades no âmbito penal, desempenham o papel de proteger toda a coletividade em seus interesses fundamentais de segurança e tranquilidade, dando a todos condições para o cumprimento da natural vocação ao progresso e ao desenvolvimento.
Também não é outro o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, de forma tranquila, caminha no mesmo sentido, ou seja, não há que se falar em violação de direitos fundamentais e/ou invasão de privacidade, visto que, normalmente, o sistema somente é aplicado com o consentimento do condenado e de seus familiares (em regime semiaberto – saída temporária e regime aberto), cabendo a ele optar entre o cárcere ou a monitoração eletrônica. Nesse diapasão, bem se lê no venerando Acórdão do Desembargador Relator José Raul Gavião de Almeida, nos autos do Agravo em Execução nº 0158945-08.2011.8.26.0000 – São Paulo, que afasta a inconstitucionalidade do Monitoramento Eletrônico:
[...] II – A preliminar de inconstitucionalidade arguida foi respondida com superioridade na contraminuta de fls. 67/72: “Com efeito, a Lei n° 12.258/10 inovou ao instituir o uso de tornozeleira eletrônica, permitindo, deste modo, ao Estado exercitar o poder-dever de fiscalizar aquela pessoa em gozo da saída temporária. Art.. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto (...) Trata-se de um ônus ao executado a fim de garantir a segurança da sociedade. Até porque a partir do momento em que alguém é condenado, tem reduzido ou suprimido direitos constitucionais próprios do homem livre. Como é cediço a dignidade da pessoa humana é uma condição sine qua non do Estado Democrático de Direito e, representa a base do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais. E, o posicionamento mais coerente com a proposta da Constituição vigente é a preservação da integralidade física e psicológica do homem, devendo respeitar seus direitos, sua liberdade e autodeterminação, enfim, proporcionar a ele existência digna e honesta. Nesta esteira, atente-se que os direitos humanos não pertencem apenas aos criminosos, mas às vítimas e à sociedade em geral e, portanto, os preceitos constitucionais devem ser valorados sob outra perspectiva, mormente com intuito de resguardar o bem-estar da coletividade, a teor do princípio da proporcionalidade. Convém, também, mencionar que o agravante apenas estará sob esta vigilância por alguns dias, decorrentes de data comemorativa, em razão de autorização judicial, ao contrário, ainda se encontraria no regime intermediário. Assim, a tornozeleira eletrônica mostra-se apenas como um método de controle, in casu, da saída temporária deferida ao preso pelo Estado, não subsistindo qualquer vestígio de inconstitucionalidade em sua aplicabilidade. Cumpre salientar, ainda, que alusivo monitoramento se apresenta como uma alternativa interessante, já que recorre à tecnologia e à experiência comparada, considerando que já existem ensaios positivos em diversos países do mundo, concorrendo para o benefício do Estado, dos condenados e da sociedade como um todo.
Registre-se, no mesmo caminho, Acórdão nº 0023134-58.2011.8.26.0006, do Desembargador Relator Paulo Rossi, Acórdão nº 0151409-43.2011.8.26.0000, do Desembargador Relator Walter da Silva, Acórdão nº 0095254-20.2011.8.26.0000, do Desembargador Relator Breno Guimarães, Acórdão nº 0298465-80.2011.8.26.0000, do Desembargador Relator Fernando Simão, todos do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, entre outros.
Pois bem, como já mencionado anteriormente, se em uma primeira etapa é possível concluir que o monitoramento eletrônico nasce como solução tecnológica, porém, não definitiva, que tem por escopo minimizar os males que assolam o sistema prisional de nosso país, podemos avançar ainda mais, agora para discutir que tipos de monitoramento seriam permitidos em nosso direito pátrio, principalmente para os definitivamente condenados.
Como amplamente divulgado nos estudos sobre o mesmo assunto, hoje em dia, o monitoramento eletrônico, via de regra, vem sendo feito por meio de um sinalizador GPS (Global Positioning System), que na lição de Rogério Greco, o sistema “permite saber a localização das pessoas que são monitoradas em todo o planeta”. Vale deixar registrado que, em nosso país, usamos tecnologia de terceira geração, ou seja, GPS.
As opções técnicas existentes no sistema criminal mundial, que podem ser adaptadas à pessoa, são em forma de pulseira, tornozeleira, cinto e microchip, o último implantado no corpo humano.
Todas elas são discretas, indicando que o condenado possa cumprir, pelo menos, parte de sua pena, longe das dependências prisionais existentes. Não existe possibilidade de se retroagir ao implemento da monitoração eletrônica, além do que a cada dia a tecnologia vem tornando imperceptível os sensores já existentes. Não está longe o tempo em que as tornozeleiras, hoje usadas no sistema prisional nacional para o monitoramento, sejam substituídas por relógio e até mesmo com implantação de chip/microchip, sempre com a devida autorização do condenado.
Este último é um experimento lincado ao uso da nanotecnologia, restando, aqui, inclusive, superada a indicação de que o monitoramento eletrônico estaria discriminando o monitorado. Não é outra a lição de Junior (2008):
Uma terceira hipótese de controle seria efetivada com a colaboração da nanotecnologia, em que uma estrutura de átomos é desenvolvida na criação de um microchip que seria inserido em determinada região do corpo do apenado. Os dados contidos nesse chip poderiam ser transmitidos via satélite, informando a localização exata de quem estivesse portando-o.
O referido sistema, microchip, já é uma realidade em outros países, impedindo a visualização por terceiros, chegando ao mais rigoroso desenvolvimento tecnológico, com registros de informações relativas à pena e a seu efetivo cumprimento.
Essa é a lição de Rogério Greco em seu artigo 12189870 – JUSBRASIL, no qual, na forma lapidar indica: "Enfim, chegamos à era tecnológica, e temos que utilizá-la em beneficio do homem que, em um futuro próximo, verá implodir os muros das penitenciárias que, durante séculos, o aprisionaram. Esse ‘novo homem’ do futuro olhará para trás e não acreditará que, seus semelhantes, há poucos séculos, eram enjaulados como animais ferozes, tratados de forma indigna e cruel".
Sabe-se que no Reino Unido existe projeto que prevê a implantação de microchip no corpo do condenado por crime de pedofilia, a ser monitorado pelo Estado. Sabe, também, que tal projeto encontra resistência na comunidade jurídica.
Dessa feita, inegável que o referido sistema não é novo, com registros de que nos idos de 1946 já havia experiências de controle de presos em domicílio no Canadá. Apenas em “1983, o Juiz Jack Love sentenciou o primeiro criminoso a utilizar monitoramento eletrônico”, tratando-se, hoje, inequivocamente, de medida de sucesso aplicada pelos magistrados norte-americanos, conforme pesquisas datadas dos idos de 2004.
Em nosso ordenamento jurídico, a matéria é recente. Apenas no ano de 2010, a legislação, modificando parte da Lei das Execuções Penais, possibilitou a implementação do sistema de monitoramento eletrônico. Alguns estados já apontam números expressivos, indicando o sucesso no controle de saídas temporárias de presos, entre eles, o estado de São Paulo, onde já se registra redução no número de abandonos do cumprimento de pena nas referidas saídas temporais especificadas (5 vezes ao ano) e para fins de trabalho externo dos condenados.
Ainda há muito para se discutir e adequar na nossa legislação pátria, mas as experiências já realizadas em outros países demonstram que, aparada as devidas arestas e efetivadas as adequações singulares ao nosso ordenamento jurídico, a monitoração eletrônica é de grande valia para controle e diminuição da população carcerária, atenuação dos gastos públicos, maior expectativa na redução da reincidência e, ainda, para incentivar e possibilitar a integração do condenado ao convívio com sua família e sociedade, recuperando, ainda paulatinamente, a sua dignidade por meio do trabalho e do estudo.
Ivana David é juíza substituta em 2º grau do Tribunal de Justiça de São Paulo
João José da Fonseca é advogado, membro da Comissão de Discussão do Projeto de Lei das Execuções Penais - OAB/SP.
Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2015.
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