Violência contra a mulher negra é tema de debate no Projeto Quintas Femininas, da Procuradoria Especial da Mulher do Senado
Mais de 60% das mulheres assassinadas no Brasil entre 2001 e 2011 eram negras. O dado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foi citado por Maria do Carmo Alves (DEM-SE) ao abrir ontem debate sobre a violência contra a mulher negra. O evento foi promovido pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado e pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados como parte do Projeto Quintas Femininas.
Mônica de Oliveira Gomes, que representou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), destacou os obstáculos no acesso a postos profissionais e à renda igualitária. Ela citou discriminação até nos serviços públicos, a seu ver um problema que revela a existência de racismo institucional no país.
Sobre o estudo do Ipea segundo o qual negros ganham 36% menos que brancos, Mônica ressaltou que, no caso das mulheres, a diferença sobe para 40%. Segundo ela, as negras permanecem na base da pirâmide, mesmo possuindo mais estudo e qualificação.
— Quanto mais a mulher se qualifica, mais difícil será encontrar uma posição que corresponda ao investimento que fez a vida inteira.
Na opinião da representante da Seppir, o termo “violência simbólica” é insuficiente para traduzir situações vividas pelas mulheres negras que as levam a adoecer, quando não é o caso de morte. Ela salientou o que chamou de “tríplice discriminação”, quando se trata de mulheres negras e pobres.
Como exemplo, destacou o pior acesso aos serviços públicos de saúde, o que explicaria a maior taxa de óbitos entre as negras, especialmente a mortalidade materna. Até as consultas são mais curtas, de acordo com Mônica. Ela disse que o racismo institucional ocorre em órgãos públicos e instituições privadas.
Bruna Cristina Pereira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da Universidade de Brasília (UnB), apresentou estudo que resultou de sua dissertação de mestrado: depoimentos de 14 negras de diferentes níveis sociais mostram que a cor da pele interfere no relacionamento com o parceiro, com a família e gera situações de violência.
— O poder disciplinador, que na nossa sociedade, patriarcal é essencialmente masculino, tem também uma cor, e ela é branca — afirmou.
“Essa sua neguinha”
Bruna exemplificou com o caso de uma das entrevistadas, identificada como Manoela (nome fictício), que já sofria discriminação quando ainda morava com os pais, por ser a mais escura entre as irmãs. Em casa, o pai a obrigava a executar tarefas domésticas, mas as irmãs tinham outros deveres. Quando se referia a Manoela em conversa com a mulher, o pai a chamava de “essa sua neguinha”.
A pesquisadora citou ainda o caso de Emília (nome também fictício), ativista do movimento negro que, em determinado momento, foi confrontada pelo companheiro com a afirmação de que “sabia que não deveria ter se casado com uma negra, porque negras são vagabundas, são prostitutas”.
Bruna ressaltou um ponto que a surpreendeu na pesquisa: a visão de que a “virtude” das mulheres pretas, diferentemente das mulatas, está relacionada ao trabalho.
Para a pesquisadora, o governo e os militantes contra a violência ainda não foram capazes de criar instrumentos para perceber e combater o racismo nos relacionamentos.
— Ainda que não se tenham vastos estudos ou vastas ligações entre a violência racial e o maior homicídio das mulheres negras, não tem como pensar que essas formas de violência não estejam conectadas.
Jornal do Senado
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