quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Conselho da Europa diz que Justiça da Rússia é injusta

O Poder Judiciário da Rússia é moldado para punir. Absolvições ainda são vistas como uma falha da Justiça. Penas brandas dificilmente são aceitas pelo Ministério Público. A Polícia ainda tortura para conseguir confissões e alguns acusados, sabendo da estrutura judicial, confessam crimes que não cometeram para encurtar o sofrimento. Essas constatações fazem parte do último relatório sobre o Poder Judiciário na Rússia, divulgado nesta semana pelo Conselho da Europa.
O documento aponta falhas estruturais graves no Judiciário russo, que comprometem a independência e autonomia do Poder. Os juízes, por exemplo, são pressionados a lidar com uma carga de trabalho muito grande e sempre sob a constante ameaça de punição. Os advogados são deixados de lado pelo sistema, muitas vezes, sem ter acesso amplo ao seu cliente. Já os promotores são super poderosos.
O relatório é assinado pelo comissário de Direitos Humanos do Conselho, Nils Muižnieks. Ele classificou o sistema Judiciário russo de injusto e pediu uma reforma geral urgentemente. De acordo com ele, cada juiz precisa dar conta de aproximadamente 30 processos por semana, o que significa que podem dedicar menos de uma hora para cada caso. Fora isso, os juízes ainda precisam participar das audiências, marcar presença em reuniões e frequentar cursos de desenvolvimento profissional. Essa combinação de pouco tempo e muito trabalho afeta a qualidade dos julgamentos, constatou o comissário.
O quadro fica ainda mais assustador quando somado ao número de punições aplicadas aos magistrados. De acordo com o relatório, nos últimos 10 anos, mais de 600 juízes foram exonerados e quase 2,5 mil receberam algum tipo de sanção. Levantamento feito pelo Conselho da Europa aponta que a Rússia tinha pouco mais de 32 mil juízes em 2010, quase 23 para cada 100 mil habitantes. Quer dizer, quase 2% dos magistrados foram expulsos da magistratura nos últimos 10 anos e quase 8% receberam alguma punição disciplinar.
A legislação russa não é clara sobre em quais casos um juiz pode ser punido. Também não é expresso quem pode iniciar um procedimento disciplinar contra um juiz e quais são as garantias que o magistrado tem para exercer sem trabalho sem receio de punição. Para Nils Muižnieks, esse é um dos pontos que precisa de reforma.
A estrutura do Poder Judiciário também oferece poucas garantias aos réus. A dificuldade de conversar com seu advogado e as torturas policiais cada vez mais frequentes impedem que a defesa seja exercida no seu sentido mais amplo. Pela legislação russa, a tortura, por si só, não é crime. A Comissão de Direitos Humanos do Conselho da Europa apontou isso como uma das questões-chave a ser tratadas pelo Legislativo.
Direito das minorias
Mundo afora, a Rússia é conhecida como um país que pouco respeita o direito das minorais. Homossexuais e estrangeiros são os mais prejudicados. A mais recente tentativa de intimidar os gays foi a aprovação de um projeto de lei que definiu como crime qualquer propaganda homossexual para crianças. Como a lei não definiu o que é propaganda homossexual, um professor pode acabar punido simplesmente por explicar para os seus alunos que existem pessoas que optam por se relacionar com outras do mesmo sexo.

O país está ensaiando legislação para impedir que pais gays fiquem com a guarda dos seus filhos, em caso de divórcio. Em setembro, o Conselho da Europa apelou ao Parlamento russo para rejeitar a proposta. “Não importa o quão popular seja com uma parte dos eleitores, essa proposta viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos”, afirmou o comissário para direitos GLT do Conselho, Håkon Haugli. A Rússia, como país integrante do Conselho da Europa, é obrigada a respeitar a Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Já sobre os estrangeiros, o país vem sendo constantemente advertido a acabar com as violações de direitos fundamentais desses cidadãos. A última advertência do Conselho da Europa veio no final de outubro, quando um relatório apontou que o racismo e a intolerância estavam crescendo. Segundo o Conselho, tem aumentado o número de sites neonazistas russos. Há também uma constante violação dos direitos dos imigrantes e a repressão indevida do direito de expressão de ativistas.
No relatório de Direitos Humanos divulgado nesta semana, o Conselho da Europa aponta a influência do Judiciário nessas violações. Os juízes estariam aceitando extraditar estrangeiros mesmo sob o risco de serem torturados em seu país de origem. A extradição, nessas circunstâncias, é vedada pela Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Clique aqui para ler o relatório em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 13 de novembro de 2013

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