sábado, 21 de setembro de 2013

Estupro é problema global, diz estudo das Nações Unidas

Um quarto dos homens de seis países asiáticos admitiu já ter estuprado suas parceiras. Emma Fulu, autora do estudo, explica o que está por trás desse número

Deutsche Welle 

Na semana passada, um tribunal indiano condenou à morte quatro homens pelo estupro e assassinato de uma estudante dentro de um ônibus, em dezembro de 2012. O assassinato da jovem de 23 anos desencadeou semanas de protestos em todo o país e levou ao endurecimento das leis contra violência sexual na Índia. Na mesma semana da sentença, foi publicado um estudo da ONU sobre violência contra mulheres na região.

O estudo é baseado em entrevistas anônimas com mais de 10 mil homens, com idades entre 18 e 49 anos, em Bangladesh, Camboja, China, Indonésia, Sri Lanka e Papua Nova Guiné. Um em cada dez homens admitiu ter forçado relações sexuais com uma mulher que não é a sua parceira. Um em cada quatro assumiu ter estuprado, ao menos uma vez, sua esposa ou namorada.

Em entrevista à DW, Emma Fulu, autora do estudo, falou que consequências penais, por si só, não são suficientes, como mostram os números de violência generalizada contra as mulheres. Ela trabalha para a iniciativa Parceiros da Prevenção, um programa de pesquisas de várias agências das Nações Unidas para a prevenção da violência de gênero na região da Ásia-Pacífico.

Deutsche Welle: Qual a dimensão do problema de estupro na Ásia?

Emma Fulu: O estupro é um problema global, não só na Ásia, mas em todo o mundo. O estudo mostra que um quarto dos homens já estuprou uma menina ou uma mulher. Dependendo da região, essa proporção pode variar entre 10% e 62%.

Embora os resultados do estudo confirmem que existe um problema sério em relação ao estupro, ele também mostra que há muitos homens que não são violentos. Muitos homens na Ásia e no resto do mundo são pacíficos e respeitam o sexo oposto. São exatamente esses homens que devemos apoiar.

DW: Quais são os fatores responsáveis pela violência contra as mulheres?

EF: O estudo mostra que existem inúmeros fatores que levam os homens a cometerem atos de violência contra mulheres. Isso inclui a desigualdade entre os sexos, a concordância com certos padrões de comportamento entre os homens que aceitam a violência. Além disso, existem experiências individuais desses homens com a violência, principalmente na infância.

No geral, o estudo encontrou evidências entre os próprios homens de que eles são violentos em relação às mulheres porque não as consideram como iguais a eles. Ou eles mesmos foram vítimas de abuso. Muitos se orgulham de sua resistência física, de sua capacidade sexual e que são, em geral, superiores às mulheres.

DW: Quão confiáveis e representativos são os resultados do estudo?

EF: Acreditamos que os resultados desse estudo são confiáveis e representam com precisão a frequência em que o estupro ocorre nas regiões onde a pesquisa foi realizada. O estudo utilizou padrões reconhecidos internacionalmente sobre a violência contra mulheres, que foram concebidos para que os resultados sejam os mais precisos possíveis.

As perguntas feitas aos homens, por exemplo, não eram questões generalizadas sobre "violência" ou "estupro", mas eles foram questionados sobre ações e padrões de comportamento concretos. Além disso, inovações tecnológicas foram utilizadas para aprimorar a exatidão do estudo. Finalmente, os resultados obtidos com os homens foram comparados a pesquisas feitas com mulheres em relação à experiência que elas tiveram como vítimas.

DW: Por que participantes desses determinados países foram selecionados para o estudo?

EF: Os locais do estudo foram selecionados para refletir a diversidade da região da Ásia- Pacífico. Países do sul e do leste asiático, bem como da região do Pacífico foram selecionados – entre eles duas antigas regiões de conflitos. No geral, selecionamos países onde até agora somente poucos estudos do gênero haviam sido realizados.

Para garantir uma seleção aleatória, os locais do estudo foram divididos em diferentes áreas e domicílios, e então homens desses grupos foram aleatoriamente selecionados para participar das entrevistas. Ou seja, em cada região, cada homem tinha a mesma probabilidade de ser selecionado para o estudo.

DW: Qual é a mensagem central do estudo?

EF: A principal mensagem é que a violência contra as mulheres é evitável. O estudo confirmou a importância da prevenção – junto a uma resposta eficaz e abrangente contra essa violência. As verdadeiras causas da violência devem ser abordadas, para que ela possa ser evitada antes que aconteça. O estudo mostra que se deve combater a desigualdade entre os gêneros, promover relações não violentas e pôr um fim ao abuso infantil.

Se olharmos para a idade em que alguns homens passam a lidar com a violência, percebemos que temos que começar a prevenção mais cedo com os meninos. Precisamos mostrar a eles modelos positivos de como um homem deve se comportar.

Precisamos de esforços mais contundentes para prevenir a violência contra as mulheres – esse é o nosso principal conselho. A proliferação da violência mostra que a ação penal não é suficiente. Os resultados revelam que a maioria dos fatores que geram a violência por parte dos homens pode ser modificada. O estudo aponta novas dicas dos próprios homens sobre o que eles devem mudar e onde essas mudanças precisam acontecer.

DW: O estudo constatou nos países estudados que os estupros ocorrem mais entre parceiros íntimos do que com outras mulheres. Como você interpreta esse resultado?

EF: Esse resultado é importante porque mostra como o estupro conjugal tem que ser tratado como ato criminoso. Em muitos países da região, o estupro dentro do casamento não é considerado um crime. Para a maioria dos homens que cometeram esse tipo de estupro, não houve consequências legais.

Há uma cultura da impunidade e, ao mesmo tempo, uma carência de uma forte estrutura legal. Mas o endurecimento das leis não deve ser o único meio de pôr um fim à violência contra as mulheres. Devemos trabalhar também para mudar uma determinada mentalidade – a de que um homem tem o direito sobre o corpo de uma mulher mesmo sem o seu consentimento. Precisamos promover a sexualidade saudável e não violenta.

DW: Por que tantos casos de estupro não são reportados na Ásia?

EF: Estudos em todo o mundo têm mostrado que o estupro está associado à vergonha e ao estigma. Assim, muitas das vítimas não querem que os atos de violência realizados contra elas se tornem públicos. Os sistemas judiciários não foram criados para as mulheres que foram vítimas de estupro. Muitas vezes existe pouco, ou nenhum, suporte.

Isso significa que as mulheres não recebem o apoio jurídico, médico ou psicológico necessário, o que é essencial para lidar com o estupro de forma efetiva – o que também inclui a perseguição judicial do estuprador.

DW: O que os países asiáticos precisam fazer para combater a violência de forma eficaz?

EF: Não se trata apenas dos países asiáticos. Com base nos resultados do estudo, recomendamos o reforço na prevenção e a criação de telefones de emergência.

A violência contra a mulher precisa ser combatida através de programas que mobilizem a sociedade e que contem com a participação de pessoas com influência cultural em seus países. Temos que trabalhar para mostrar aos homens como eles podem se tornar homens de uma maneira amorosa e não violenta. Precisamos também combater a violência infantil e promover famílias saudáveis. E, finalmente, devemos garantir a plena igualdade de direitos para mulheres e meninas e eliminar a descriminação de gênero.

CEBES. 

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