segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Mãe aguarda há 19 anos o retorno da filha: "Enquanto eu viver, vou atrás dela"

Menina sumiu aos cinco anos e até hoje família tenta achar uma resposta

Filhas de Francisca e Lucélia desapareceram na mesma época, no bairro Cidade TiradentesAna Cláudia Barros/R7
Nos últimos 19 anos, Lucélia Requena de Araújo, 52 anos, foi obrigada a conviver com a angústia de não encontrar uma resposta para o que aconteceu com a filha Patrícia, desaparecida em 1994, quando tinha cinco anos e oito meses. A cada toque do telefone ou da campainha, o coração ainda dispara.

— Você acha que é uma notícia. Você senta à mesa e sabe que tem seis cadeiras e está faltando um [...] Enquanto eu não desvendar o que aconteceu, essa ferida não fecha.

Ao longo desse tempo, ela procurou pistas e viajou para vários lugares em busca da menina — chegou a ir a Goiás para reconhecer uma criança. Mesmo sem resultado, jamais perdeu a esperança de rever a filha. Sem conseguir conter as lágrimas, ela desabafa:
— Minha família não aceita o fato de eu ter mudado. Meu filho caçula também ficou muito fechado, muito retraído. Ele diz: "Mãe, você vai atrás disso só para sofrer. Tudo que você já fez”. Não posso desistir dela. Enquanto eu viver, vou atrás dela. Quero saber quem foi que tirou minha filha de mim, da casa dela, do espaço dela.
O sofrimento de Lucélia a aproximou da dona de casa Francisca da Costa, 43 anos, que vive drama semelhante. As convergências entre as histórias de ambas chamam a atenção. Menos de um ano após Patrícia sumir, a filha de Francisca, Aline, de quatro anos e dez meses, também desapareceu, em circunstâncias quase idênticas, também na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, no dia 7 de maio de 1995. Segundo as duas mães, o mesmo aconteceu com outras crianças do bairro na época.
— Ela [Aline] estava brincando no pátio do prédio e alguém entrou e a levou. É difícil. A gente corre atrás, mas até agora, infelizmente, nenhuma notícia.
A dona de casa também não cogita a hipótese de desistir.
— Se eu não procurar, quem vai? Sou a mãe dela. Enquanto não tiver uma notícia, a gente não pode parar de procurar. Tem que correr atrás.  Não tem como [esquecer]. Mesmo que você tente, não consegue. Você vai comer e pensa: “Será que está com fome?” Você vai tomar banho e pensa: “Será que está tomando banho?” Vai dormir e pensa: ”Será que está passando frio?” O dia a dia é uma tortura. O coração fica apertado.
Maria Zélia chegou a procurar o filho Amadeu na CracolândiaAna Cláudia Barros/R7
Busca incessante
Assim como Lucélia e Francisca, a doméstica Maria Zélia Soares, 49 anos, também convive com a dor de ter um filho desaparecido. Em 17 de setembro de 2009, Amadeu, na época com 22 anos, não conseguiu voltar para casa, em Diadema, no ABC Paulista, para onde a família havia se mudado três meses antes. O rapaz, que tem deficiência mental, não sabe ler nem escrever.
— Ele desapareceu porque a gente mudou de lugar. Saiu do Riacho Grande [distrito de São Bernardo do Campo] para Diadema. Meu filho tem deficiência mental e um certo grau de autismo, mas é bem calmo e gosta muito de criança. Então, os vizinhos se familiarizaram com ele. E ele logo se sentiu bem. Um dia, não conseguiu voltar para casa.
Maria Zélia conta que vivia em um bairro pequeno e que Amadeu seguia uma rotina.
— Todos os dias, ele saía e ia para uma doceria, que era bem pertinho da minha casa. Depois, ia até as caçambas. Catava latinhas, vendia e comprava pão e refrigerante para ele. Ia em casa, tomava café e voltava para a doceria. À tarde, fazia a mesma coisa.
Desde o desaparecimento de Amadeu, Maria Zélia mergulhou em uma busca incessante. Além da divulgação na internet, espalhou cartazes com a imagem do filho por estações de metrô, trem e terminais de ônibus. Chegou até mesmo a procurar o rapaz na área conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo.
— Quando você está com filho desaparecido, que tem deficiência mental, procura em tudo que é canto. Um dia, falei: “Vou lá [Cracolândia]”. Pedi a um policial, que estava ali perto, para me acompanhar. Ele simplesmente falou: “Não posso entrar lá com a senhora. Isso não é departamento nosso”. Na hora, pensei: “Se não é departamento de um policial, então, de quem vai ser? Estou sozinha”.
Ela conta que precisou recorrer à ajuda de familiares.
— Veio o irmão do Amadeu por parte de pai e entrou comigo. Fomos eu, ele e minha outra filha. Entregamos cartazes para uns que estavam mais lúcidos.
Maria Zélia diz que “envelheceu 20 anos” e que o episódio abalou toda a família. Determinada, garante que “não vai medir esforços para abraçar” novamente o filho.
— Tem dia que você olha para as fotos, que é o que eu tenho em casa, e pergunta para Deus: “O que fiz de tão errado que não mereço ter meu filho do meu lado?” Respiro fundo, entro no banheiro, choro, lavo o rosto e falo: “Não, eu tenho que estar de pé para procurar meu filho, porque em uma cama chorando, não vou conseguir fazer nada”.

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