Alto índice levou a abertura de CPI; comissão pretende ouvir autoridades e apurar causas
Era sexta-feira, 17 de junho de 1994, quando Patrícia, de cinco anos e oito meses, desceu para brincar no pátio do prédio onde morava, no bairro Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo. A mãe, Lucélia Requena de Araújo, no início, resistiu à ideia de deixá-la sair, mas acabou se rendendo aos apelos da criança. Ela não sabia, mas aquele dia marcaria o início de uma busca que se prolonga por 19 anos.
Patrícia desapareceu e a mãe nunca mais teve qualquer notícia da filha.
— Minha vida acabou. Não sou mais a mesma. Fiquei uma pessoa fechada. Não confio mais em ninguém. Falei para o meu filho: “A gente vai vivendo agora, porque tem que viver, mas acabou, acabou”.
A dor de Lucélia encontra paralelo no sofrimento de muitas outras famílias. De janeiro a 20 de setembro deste ano, foram contabilizados 15.082 casos de pessoas desaparecidas no Estado de São Paulo, segundo dados do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Significa dizer que, em média, 56 ocorrências são registradas por dia.
O problema vem sendo observado com mais frequência nos últimos anos. Em 2010, foram 20.253 desaparecidos no Estado. No ano seguinte, o número passou para 23.253. Em 2012, apresentou ligeira queda, passando para 19.400 casos.
O elevado índice motivou a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Legislativa de São Paulo. Instalada no último dia 18, ela tem entre os objetivos investigar as causas dos desaparecimentos. Nesta semana, os parlamentares envolvidos pretendem definir a linha de atuação a ser adotada e quem prestará depoimento.
O deputado Hamilton Pereira (PT), nomeado relator da CPI, avalia que as autoridades policiais devem ser as primeiras ouvidas.
— Como nós vamos investigar as causas dos desaparecimentos, acho que temos que começar pelos órgãos policiais responsáveis pela investigação. Acho que deveríamos começar pelo DHPP.
Para o deputado, é preciso ver "quais os elementos que os órgãos de segurança têm em mãos e qual é a tecnologia que eles dispõem hoje para a busca de pessoas".
A previsão é de que os trabalhos durem 90 dias, sendo que não é descartada a possibilidade de prorrogação do prazo. No final, um relatório será elaborado, apontando quais medidas a comissão recomenda que sejam adotadas pelas autoridades responsáveis.
Crianças e adolescentes
Com base nas estatísticas dos últimos anos, é possível dizer que uma média de 40% dos casos de desaparecimento registrados no Estado de São Paulo é referente a crianças e adolescentes. A faixa etária com maior volume de ocorrências é de 13 a 18 anos.
Segundo a ONG (organização não governamental) Mães da Sé, que desde 1996 trabalha na busca de pessoas que desapareceram, adolescentes do sexo feminino são as que mais somem.
Retorno
De acordo com a titular da Delegacia de Investigação sobre Pessoas Desaparecidas, vinculada ao DHPP, Maria Helena do Nascimento, o índice de retorno de adolescentes e adultos é alto. Já no caso de crianças, a situação é mais complexa.
— Muitas vezes, ela desaparece pequena, com dois, três anos. Não sabe nem o próprio nome.
De acordo com a SSP (Secretaria de Segurança Pública), a média de ocorrências solucionadas é de 82%. Dos 15.082 casos registrados até 20 de setembro de 2013, foram esclarecidos 12.449. No ano passado, o número de ocorrências elucidadas ficou em 16.500. Em 2011 e 2010, foram 18.452 e 15.142, respectivamente.
Já para os que ficaram sem um desfecho para o próprio drama, como Lucélia, a espera se torna “uma tortura sem fim”.
— O que aconteceu? Esta é a angústia. O que aconteceu?
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