[Artigo originalmente publicado nesta quarta-feira (18/9) no jornal O Globo]
A Ação Penal conhecida como mensalão veio a ser julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Ocupou praticamente todo o segundo semestre de 2012 — 54 sessões. A decisão condenatória foi impugnada mediante embargos declaratórios e, na apreciação destes, em 2013, tomaram-se oito sessões. Então, após exaustivos debates, surgiu a polêmica acerca da adequação de mais um recurso — os embargos infringentes.
Antes da Constituição de 1988, o Supremo podia editar normas sobre ações e recursos da respectiva competência. Então, versou, no Regimento Interno, o cabimento dos embargos, a pressupor quatro votos vencidos a favor da defesa. Indaga-se: persistem eles no cenário jurídico? A resposta é negativa, ante a revogação tácita do Regimento, porquanto a Lei 8.038/90, ao disciplinar as ações penais da competência do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, silenciou a respeito da matéria.
O fato gerou incompatibilidade gritante. A razão mostra-se simples. O Congresso deixou de prever embargos contra as decisões do Superior. Entender de forma diversa implica afirmar que, julgando este último, por exemplo, um governador de estado, o pronunciamento, seja qual for o escore, não desafia impugnação, mas, fazendo-o a mais alta corte do país relativamente a deputado ou senador, havendo quatro votos a favor da defesa, abre-se margem a outro julgamento, de igual natureza e em verdadeira sobreposição. O mesmo raciocínio serve para os tribunais de Justiça, quanto a prefeitos, e os tribunais regionais federais, no tocante a juízes e membros do Ministério Público Federal.
O sistema não fecha, no que, considerado o crivo do Supremo, é assentada a revisão pelo próprio Tribunal, colocando-se em dúvida o acerto do ato condenatório formalizado. Ao lado disso, a admissão do recurso gera consequências. A primeira refere-se à quebra do princípio igualitário, porque apenas os acusados com quatro votos a favor terão o direito a eventual reforma do que decidido. A segunda concerne à mudança na composição do Tribunal em virtude da aposentadoria de dois ministros que participaram do julgamento. É dizer: caso os integrantes que chegaram depois somem os votos aos quatro da corrente minoritária, a condenação poderá ser transformada em absolvição, dando-se o dito pelo não dito, para a perplexidade geral. Isso já ocorreu presente a cassação de mandato parlamentar, no que o novo Supremo concluiu, apesar da prática de crime contra a administração pública, não lhe incumbir o implemento. Acrescente-se a problemática da prescrição, uma vez que existe a possibilidade de haver a diminuição das penas.
Esta quarta-feira promete definição sobre a quadra vivenciada. É reveladora de novos tempos? Com a palavra o decano do Supremo, o douto ministro Celso de Mello, a quem cabe o voto decisivo, ante o empate verificado, de cinco votos pela admissibilidade do recurso e outros tantos no sentido da revogação tácita do Regimento Interno. Que o resultado seja alvissareiro!
Marco Aurélio Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Revista Consultor Jurídico, 18 de setembro de 2013
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