sábado, 21 de setembro de 2013

Mulheres presas são abandonadas pelos companheiros por quem assumiram crimes de tráfico de drogas

Gabriela Rovai - gabriela.rovai@diario.com.br
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Nas cadeias de Santa Catarina existem muitos casos de mulheres abandonadas, como o de Marileia Barbosa, 38 anos, encarcerada no Presídio Feminino de Florianópolis. A maioria delas está presa por tráfico familiar. Em grande parte, assumem a bronca do marido ou namorado.
Presas e agentes penitenciárias afirmam que os parceiros raramente visitam suas companheiras privadas de liberdade. Quando estão presos, quase não mandam cartas. As visitas são mais de mães e filhos. Mesmo tendo assumido as drogas no lugar deles, as mulheres são esquecidas.
As companheiras que estão na rua, ao contrário, fazem fila para visitar os amados presos. Algumas não dispensam camisinha, de acordo com uma agente penitenciária que trabalhou na Penitenciária de São Pedro de Alcântara e que prefere o anonimato.
— É muito comum os presos em São Pedro e outras unidades se relacionarem sexualmente entre eles. Mesmo os heterossexuais. Na hora do banho de sol, quando ficam só dois na cela, já sabemos o que vai acontecer. Uma vez, a mulher de um preso me contou que só teria visita íntima se fosse com camisinha porque sabia que o marido transava com outros homens na cadeia — contou a agente.
Presas em Blumenau sofrem agressões de servidoras
Ao contrário do tratamento que tem em Florianópolis, no Presídio de Joinville Marileia Barbosa era humilhada por uma agente penitenciária que a chamava de “virada do avesso”, por causa do seu olho estrábico, resultado de um atropelamento.
_Ô, do avesso! Vamos logo!_dizia a agente.
Denúncias similares constam do relatório da Força Nacional de Defensoria Pública, resultado de vistoria no sistema penitenciário catarinense, em abril, em relação a agentes e servidoras terceirizadas do Presídio de Blumenau. Conforme o relatório, as servidoras da unidade colocam as presas para cheirar o chão do canil, entre outras agressões.
A unidade de Blumenau é considerada pela Força, um “Carandiru prestes a explodir, com corrupção espalhada entre os agentes e presos tratados como animais”.
De acordo com os defensores públicos, é necessário tomar atitudes urgentes em relação a saúde, tortura e corrupção na unidade. Para eles, não há como esperar a construção de um novo presídio para sanar os problemas relatados.
O juiz-auxiliar da Corregedoria Nacional da Justiça Júlio César Ferreira de Melo afirmou que o Presídio de Blumenau é a pior unidade de SC.
— Comparado a uma masmorra, é algo bastante bondoso de se falar, devido a superlotação, imundície, falta de efetivo. O que temos em Blumenau é um absurdo —.
Revistas vexatórias em detentas quando estas retornam do trabalho e em familiares antes da visita também são apontadas pela Força Nacional. No encontro do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, foi aprovada proposta para que o órgão recomende formalmente aos juízes a proibição das revistas íntimas a mulheres nas visitas a presos.
A conclusão é de que as revistas íntimas são uma forma de humilhação da mulher e que equipamentos de escaneamento corporal são o meio adequado para evitar a entrada de armas e drogas nas prisões brasileiras. Conforme divulgado pelo CNJ, a ouvidora do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a psicóloga Valdirene Daufemback, ressaltou que a revista íntima vexatória de visitantes foi apontada por mulheres em privação de liberdade em unidades brasileiras.
— Elas reclamam também da separação precoce, abrupta, preconceituosa e, por vezes, criminosa de suas crianças. Da negligência com relação a necessidades específicas, como acesso a absorventes e a uniformes femininos e da vulnerabilidade diante de presos ou funcionários homens, além de diversos casos de maus-tratos — observou Valdirene.
SC tem carência de infraestrutura para mães presas
No relatório da Força Nacional de Defensoria Pública, consta recomendação para a Secretaria de Justiça e Cidadania para implementar berçário e creche para crianças nas unidades prisionais do Estado. A lei prevê que mães presas podem ficar com os filhos durante a amamentação.
Mulheres detidas nos presídios de Araranguá, Blumenau, Criciúma e Joinville não possuem essa infraestrutura, conforme o relatório. Para se ter uma ideia, o  sistema penitenciário brasileiro conta com apenas 15 médicos ginecologistas para uma população de 35.039 presas, o equivalente a um profissional para cada grupo de 2.335 mulheres, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça.
A detenta Marileia Barbosa teve mais sorte. Ela conta que sempre foi bem atendida no Presídio de Florianópolis, onde descobriu a oitava gravidez. Fez o pré-natal, teve atendimento médico, recebeu dicas no mutirão da Pastoral da Arquidiocese de Florianópolis e a filha deixou a cadeia com todas as vacinas em dia. A menina ficou um ano com a mãe.
— Ela era o meu reloginho. Acordava cedo e quando aprendeu a falar, escutava as meninas pagando o café e dizia: mãe, mãe, café! Eu forrava o chão com cobertor e ficava o dia todo brincando com ela. As meninas ensinavam ela a dançar. Ela pulava e começou até a aprender a cantar — relembra Marileia. A mulher que gestou seu oitavo filho na cadeia teve três maridos. O terceiro está cumprindo pena e, assim como a grande maioria dos companheiros presos de mulheres encarceradas, parou de escrever cartas.
Marileia foi esquecida pelos familiares, inclusive sua mãe, a quem diz amar tanto e se arrepender de não escutar seus conselhos. Ela não recebe cartas nem visitas. Nenhum telefonema da cunhada com notícias da bebê. Na despedida, entregou uma foto sua para a cunhada mostrar à criança.
— Não deixa milha filha esquecer de mim — pediu.
Mesmo sem defensor e sem ter ideia de quando termina sua pena por tráfico e outras duas por assalto e homicídio – crimes que diz ter apenas presenciado e não cometido - Marileia fez uma promessa à filha, antes da separação.
— Mamãe vai logo sair daqui e vai estar pertinho de você — conta, chorando muito.
Enquanto espera um gesto de carinho, Marileia trabalha na faxina de seu alojamento e na confecção de tapetes em crochê que borda nas horas vagas. Com a venda dos tapetes decorados com flores compra produtos de higiene pessoal, às vezes um biscoito recheado e amaciante para deixar seu uniforme laranja perfumado.
Na cadeia, se converteu na religião evangélica e se desintoxicou. Por isso, ainda agradece à Deus por estar presa e poder pensar diferente.
Contraponto da Secretaria de Justiça e Cidadania
- SJC e Departamento de Administração Prisional (Deap) estão analisando o relatório da Força Nacional de Defensoria Pública e adotando as devidas providências.
- SJC e Deap reconhecem deficiências de algumas unidades antigas. SJC tem realizado centenas de reformas, melhorias e adequações em todas as unidades de SC.
- Presídio Regional de Blumenau será desativado com a construção de uma nova unidade na região.
- Por enquanto, a gestão do presídio está investindo em melhorias e reformas, algumas realizadas após a visita da Força.
- Iremos realizar as eventuais adequações físicas recomendadas no referido relatório, que ainda não tenham sido providenciadas, dentro dos prazos.
- Quanto às denúncias envolvendo servidores do sistema prisional, vamos investigar.  Lembramos que nenhum dos servidores mencionados no relatório foi ouvido pelos defensores públicos que assinam o documento.
Fonte: secretário-adjunto da SJC, Sady Beck Junior
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