O assunto da vez é a duração razoável do processo que conta com réu preso.
Pensemos num indivíduo acusado de um homicídio que, para a fase de instrução, sequer arrola em sua defesa qualquer testemunha e tem, contra si, apenas uma testemunha de acusação. Após sua pronúncia, recorre em sentido estrito. Caso simples, que não envolva organização criminosa ou outros réus.
Quanto tempo é razoável que o processo demore, estando o indivíduo preso provisoriamente? Um ano? Dois? Três? E se o indivíduo está preso há nove anos e, até hoje, ainda não foi julgado pelo tribunal do júri? Constrangimento ilegal evidente e manifesto, correto? Na prática, porém, a teoria é outra.
Fomos nomeados para patrocinar os interesses de C.B.C. em ação penal que tramita perante o 5º Tribunal do Júri da Capital, em razão de convênio existente entre o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e a Defensoria Pública de São Paulo.
Segundo consta do processo, C.B.C. teria cometido um homicídio em São Paulo em 1996 e, após, ido morar no Ceará. Se fugiu ou não, ao menos no tocante à duração razoável do processo após sua prisão, pouco importa. Também consta do processo que antes, em 1993, cometera um outro homicídio lá no Ceará pelo qual foi julgado e condenado.
Em junho de 2004, foi efetivamente preso, no Ceará, por força de sua prisão preventiva de São Paulo, bem como pelo outro processo de homicídio. Lá foi interrogado via Carta Precatória, ainda nos termos da antiga lei que previa o interrogatório como primeiro ato do processo. Em 2005, foi pronunciado e, ao ser intimado, lhe foi perguntado se gostaria de participar de sua seção de julgamento, ou se essa poderia ser realizada sem a sua presença. Fez questão de estar presente.
O Ceará demorou, até recambiá-lo, nada menos do que quatro anos. Hoje, está preso preventivamente pelo processo em que atuamos há nada menos do que nove anos!
Primeira providência? O pedido de relaxamento de sua prisão, em razão do mais que manifesto excesso de prazo em seu processo.
A decisão? Indeferimento. Primeiro, porque sua longa prisão não foi culpa do Tribunal do Júri de São Paulo, e sim do Estado do Ceará, que demorou para recambiá-lo. Segundo, porque a culpa da demora em parte era do réu, que fez questão de estar presente em seu julgamento. Terceiro, porque enquanto está preso preventivamente, está cumprindo pena pelo outro processo de homicídio.
Nos sucessivos habeas corpus que se sucederam — e que tiveram como relatores o Desembargador Moreira da Silva, no TJ-SP, Ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, e Ministro Ricardo Lewandowski, no STF —, não adiantou explicar que tanto fazia de quem era a culpa na demora, se de São Paulo ou do Ceará. Não se buscava a punição dos envolvidos (talvez devêssemos?), e sim a devolução da liberdade, no processo em que atuamos, de C.B.C.
Também foi irrelevante explicar que é hipócrita, para se dizer o mínimo, falar que a culpa na demora foi do réu, que fez questão de participar de seu julgamento, como se alguém pudesse ser punido por, “apenas”, querer estar presente quando for julgado por um dos mais graves crimes de nossa lei penal.
Por fim, ninguém se interessou pelo fato de o réu, enquanto preso no processo em que atuamos, não poder pedir qualquer benefício perante a Vara das Execuções Criminais com relação ao outro homicídio que está condenado. Afinal, ali foi condenado a 15 anos, e já cumpriu nove... Tem direito até a um eventual livramento condicional, inócuo diante da sua prisão preventiva que perdura há nove anos.
Para não se cometer uma injustiça, o Desembargador Moreira da Silva apenas negou a liminar, estando pendente de julgamento o mérito do HC. Os ministros citados, ambos, negaram liminarmente nosso pedido, entendendo que não havia manifesto constrangimento ilegal a ser sanado.
Agora, qual a razão do presente artigo? Não têm esses subscritores a pretensão de brilhar na academia. Mas alertam aos colegas que o fazem, em especial àqueles que ensinam processo penal nas faculdades Brasil afora, que expliquem aos seus alunos que, na prática, a teoria aceita a prisão preventiva que perdura há nove anos, sem qualquer julgamento.
Marcelo Feller é advogado criminalista em São Paulo, sócio do escritório Feller e Serra Oliveira Advogados.
Michel Kusminsky Herscu é advogado criminal no Toron, Torihara e Szafir Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2013
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