quarta-feira, 6 de julho de 2011

NOVAS MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL (I)

 Alternativas à prisão preventiva e seus efeitos preventivos

           A Lei nº 12.403, de 4 de maio deste ano, altera, acrescenta e revoga  dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, está em período de vacatio legis até o próximo dia 3 de julho e entrará em vigor no dia seguinte. Nesta matéria não vale a contagem dos prazos segundo o art. 10 do Código Penal (CP): "O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum". Há um precedente específico, do Superior Tribunal de Justiça, nesse preciso sentido: "I - Para a contagem do prazo da vacatio legis, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento, computados domingos e feriados, sem interrupção" (96.01.12517-5 TRF da 1ª Região, 2ª Seção, em 04.06.1996.) 
            O novo diploma altera a redação dos seguintes dispositivos do CPP: 282, 283, 289, 299, 300, 306, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 334, 335, 336, 337, 341, 343, 344, 345, 346, 350 e 439.
            A indicação acima já revela a amplitude das novas regras, todas elas compatíveis com os princípios e as regras da Constituição Federal (CF) e o sistema processual penal. O traço marcante dessa reforma setorial[1] é a utilização da prisão preventiva somente em casos excepcionais de interesse público ou de não cumprimento das medidas de restrição da liberdade. A aplicação de qualquer medida cautelar depende de pressupostos indispensáveis, como determina o art. 282, verbis:  "I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,[2] para evitar a prática de infrações penais; II -  adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. 
            Em outras palavras da própria lei: "Art. 282, § 6o  A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)." 
            A propósito é oportuno lembrar uma vigorosa advertência do pensador francês Ch. Chabroud, contra a massificação e rotina da pena privativa de liberdade e que consta da obra Surveiller et punir (Vigiar e punir) de autoria do genial filósofo, professor e humanista Michel Foucault (1926-1984): "De manière que si j'ai trahi mon pays, on m'enferme; si j'ai tué mon père on m'enferme; tous les délits imaginables sont punis de la manière la plus uniforme. Il me semble voir um médecin qui, pour tous les maux, a le même remède."  ("De modo que se eu traí meu país, sou preso; se eu matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Pareço ver um médico que, para todos os males, tem o mesmo remédio").
            Como será exposto em artigos posteriores, a efetiva aplicação de medidas não detentivas constituirá um dos relevantes meios para prevenir a violência e a criminalidade.
            Para demonstrar praticamente que a prisão processual é providência excepcional, o § 1º do art. 283 do CPP, com a redação que lhe deu a novíssima lei, é imperativo: "§ 1o  As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade". 
            Mas, além dessas proclamações relevantes quanto à proteção de princípios essenciais do devido processo legal, da razoabilidade, da proporcionalidade e da humanidade, a lei ora comentada estabelece no art. 300 do CPP: " As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal.
            Essa é uma regra de garantia individual que tem sido negada durante todo o período histórico que, relativamente a  este aspecto,  se inicia com a promessa da Constituição do Império do Brasil (1824): "As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes (art. 179, § 21).
            Os meios de comunicação têm revelado com grande frequência o atentado contra a dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos da República, como afirma o inciso III do primeiro artigo da Constituição Federal. As cadeias públicas em nosso país, de um modo geral, são verdadeiras sucursais do inferno pela superlotação carcerária, como se pode ver por uma das imagens do presente artigo. (Segue).

[1]              Tenho classificado as reformas penais e processuais em três espécies: a) global, quando revela a mudança ideológica e técnica de todo o código; b) setorial, quando cria, altera ou suprime títulos, capítulos ou seções; c) pontual, quando revoga, modifica ou  acrescenta dispositivos isolados. (Cf.  o meu Curso  de Direito Penal - Parte Geral, 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,  p. 282, nota nº 10). 
[2]              Algumas hipóteses estão  previstas está no art. 22, II e III, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) impondo ao autor de violência doméstica e familiar, regras de conduta social, como o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida e a proibição de aproximação da ofendida, seus familiares e testemunhas, etc.  


René Ariel Dotti, advogado e professor titular de Direito Penal da UFP, é detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).

Fonte: O Estado do Paraná. Direito e Justiça. Colunas / Breviário Forense. 20/06/2011

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