A Suprema Corte do Reino Unido tomou duas decisões que impedem a luta contra o terrorismo baseada na estratégia de minar os direitos humanos dos acusados. Primeiro, o tribunal decidiu que o secretário de Estado não pode restringir direitos de suspeitos indiscriminadamente. Não pode, por exemplo, privá-lo do convívio familiar. No mesmo caso, a corte entendeu fundamental manter em segredo o nome do acusado para protegê-lo da hostilidade pública.
A posição da Suprema Corte foi tomada frente ao chamado Prevention of Terrorism Act 2005, pacote de medidas do Parlamento britânico para facilitar ações contra suspeitos de terrorismo. O ato autoriza o secretário de Estado britânico a determinar medidas de controle contra supostos ou potenciais terroristas, como, por exemplo, limitação do tempo que o suspeito pode ficar fora de casa, restrição das pessoas com as quais pode se relacionar e até ordem para mudar de cidade.
A tarefa do Judiciário britânico, desde então, é balancear as regras nacionais com as garantias da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos. A convenção impede que qualquer pessoa seja privada da sua liberdade sem o devido processo legal. O que a Suprema Corte teve de fazer, então, foi definir até que ponto as medidas de controle podem ser consideradas como privação de liberdade.
A posição foi firmada no caso de um acusado que nasceu na Etiópia, mas desde adolescente vivia na Inglaterra com a família e tinha autorização permanente para morar lá, chamado no processo apenas de AP. Essa autorização só foi revogada em 2006, depois de ele voltar para o seu país natal e ser preso lá. A partir daí, passou a ser considerado suspeito de terrorismo e foi banido do Reino Unido.
Tentou voltar para território britânico, foi detido para deportação e, mais tarde, conseguiu a sua liberdade condicional e foi submetido a medidas de controle. Pela ordem dada pelo então ministro do Interior do governo britânico, AP não podia se ausentar de casa por mais de oito horas por dia. Nele também foi implantado um chip eletrônico. Em 2008, o ministro determinou que o suspeito deveria também deixar Londres e mudar para uma cidade a cerca de 240 quilômetros da capital do país. Aí, a briga foi parar na Justiça.
Inicialmente, AP conseguiu uma decisão para suspender a determinação. O Ministério do Interior britânico apelou e AP teve de mudar de cidade. Levou a discussão para a Corte Suprema do Reino Unido. Quando os juízes se debruçaram sobre a questão, ela já não atingia mais AP, que estava de novo preso com ordem de deportação. O caso foi discutido, então, como paradigma para outros.
Direito à família
A primeira questão analisada pelos juízes foi definir o que é considerado privação da liberdade. O entendimento firmado foi o de que a pessoa não é privada da sua liberdade apenas quando é encarcerada ou fica em prisão domiciliar. Outras situações também podem ser taxadas de privação de liberdade. Por exemplo, o caso de AP.
Obrigado a mudar para longe da cidade onde sempre morou, se viu afastado da família e dos amigos. Na sua nova sociedade, foi rejeitado, não conseguiu se integrar e chegou a ser hostilizado por aqueles que conseguiram ver o chip eletrônico que ele portava. Enquanto antes via a família toda semana, fora de Londres, não recebeu visitas da mãe e raras do irmão. A distância criava dificuldades intransponíveis, alegou a família. Tudo isso, para a Corte de Apelação, era justificado pela necessidade de garantir a segurança nacional.
Na Corte Suprema, esse entendimento mudou. Os juízes consideraram que o ministro do Interior, ao submeter alguém a medidas de controle, precisa analisar as consequências do seu ato, por mais difícil que seja prever os efeitos da sua decisão. Afastar uma pessoa do convívio social é sim privá-la da sua liberdade. Só não poderia ser considerado assim se fosse escolha da família não visitar o suspeito ou dele próprio. Se as dificuldades são consequências da medida de controle, esta deve ser revista.
Por unanimidade, os juízes da Corte Suprema também decidiram manter em sigilo o nome de AP. Eles observaram que, em outros casos de terrorismo, como ordem de congelar bens de suspeitos, o Judiciário já tinha decidido que o interesse público prevalecia e os acusados não podiam ser protegidos pelo anonimato. Mas, na ocasião, ficou acordado que o sigilo deveria ser analisado caso a caso.
Para decidir, disseram os juízes, a corte precisa se perguntar se há interesse público suficiente para justificar a quebra do seu direito e da sua família à privacidade. No caso de AP, por exemplo, o entendimento foi o de que não. Revelar a identidade do suspeito poderia submetê-lo a maior hostilidade por parte da sociedade e ainda a atos de violência. O Ministério do Interior argumentou a favor do sigilo, dizendo que ajuda os policiais a controlar e fiscalizar o suspeito mais efetivamente se esse não é conhecido da sociedade. A Suprema Corte também considerou que nenhum jornal, revista ou emissora de televisão expressou interesse no caso. Por isso, não havia nenhum motivo que justificasse a revelação da identidade do suspeito. O anonimato, portanto, foi mantido.
Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Revista Consultor Jurídico, 1º de julho de 2010
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