O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em entrevista à Agência Brasil que as recentes denúncias de violações de direitos humanos em presídios do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul evidenciam um quadro crítico, de caráter nacional, persistente há décadas pela omissão do Poder Público.
“Já, então, em meados da década de 70, eu fazia as mesmas denúncias que lamentavelmente são reiteradas hoje. A significar que o Poder Público age de maneira irresponsável e não tem qualquer interesse, salvo algumas exceções, de superar as dificuldades de ordem material que culminam por gerar situações que ofendem a dignidade pessoal dos condenados”, criticou Mello. “Infelizmente o Poder Público vem se mantendo cronicamente omisso no cumprimento de seus deveres jurídicos”, acrescentou o ministro.
Segundo o ministro, as normas previstas na Lei de Execução Penal, em geral, não têm saído do papel. Garantias básicas e o objetivo de ressocialização são desconsiderados. “No Brasil, a prática da Lei de Execução Penal tornou-se um mero exercício de ficção, porque ela impõe obrigações que o Poder Público simplesmente não cumpre. O Poder Público tornou-se infrator crônico da LEP e compromete assim direitos básicos do sentenciado”, ressaltou Mello.
O ministro constatou que, na prática, muitos presos brasileiros cumprem penas sem qualquer embasamento legal. “São impostas penas sequer previstas na legislação, como a promiscuidade, a agressão física, e isso é extremamente grave. O fato de ser condenado e privado de liberdade pela prática de crimes, não o exclui do rol daqueles que têm acesso a direitos básicos e garantias fundamentais”, assinalou.
Ao lembrar que o quadro crítico de degradação das unidades prisionais coloca o país permanentemente exposto a sofrer interpelações de organismos internacionais, o ministro afirmou: “sinto que o descumprimento reiterado pelo Poder Público, de obrigações impostas por legislação plenamente constitucional, gera uma situação absolutamente desconfortável para o Estado. A República Federativa do Brasil poderá, sim, ser acionada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, alertou.
Celso de Mello defendeu a urgente necessidade de uma mudança de postura do Estado em relação ao sistema penitenciário e avaliou as inspeções e mutirões carcerários promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça como um primeiro passo, ainda que insuficiente, para uma nova realidade.
“Mais de 2 mil pessoas que estavam sendo indevidamente mantidas presas foram soltas graças à atuação dos mutirões carcerários. Isso é importante, um grande exemplo ao Estado brasileiro, mas é preciso mais”, concluiu Mello.
O ministro acredita que o Ministério Público tem hoje melhores condições para cobrar com rigor absoluto a responsabilidade do Estado na questão prisional, o que, segundo ele, já foi demonstrado pela interdição de algumas unidades que abrigam detentos.
Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2009
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