Violência de gênero e a Lei Maria da Penha II
No ensaio anterior discursamos sobre a violência contra a mulher de um modo geral, agora adentraremos na seara da violência doméstica e familiar praticada contra a mulher.
A violência doméstica e familiar contra a mulher, como o próprio nome já diz, é aquela que ocorre no espaço da sua vida privada. Assim ela pode ter três dimensões: - Geográfica (violência doméstica): quando acontece em caso, no ambiente doméstico; - Parental (violência familiar): quando ocorre dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto e outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou o tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que passa a morar na mesma casa etc.); - Relacional (violência interpessoal): quando ocorre em qualquer relação em que o agressor more ou tenha morado com a mulher, ou, mesmo que não tenha morado, que seja uma pessoa íntima dela.
O ciclo da violência, descrito por L. Walker (1979), expressa como os diferentes fatores interagem num mesmo relacionamento de violência, através de sucessivas fases. Este ciclo pode se tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses ou anos. Primeiro, vem a fase da tensão, que vai se acumulando e se manifestando por meio de atritos, cheios de insultos e ameaças, muitas vezes recíprocas. Em seguida vem a fase da agressão, com a descarga descontrolada de toda aquela tensão acumulada. O agressor atinge a vítima com empurrões, socos e pontapés, ou às vezes usa objetos, como a garrafa, pau, ferro e outros. Depois, é a vez da fase de reconciliação, em que o agressor pede perdão e promete mudar de comportamento, ou finge que não houve nada, mas fica carinhoso, “da um de bonzinho”, traz presentes, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais voltar a acontecer. É muito comum que esse ciclo se repita, cada vez com mais violência e menor intervalo entre as fases. A experiência mostra que, ou esse ciclo se repete indefinidamente, ou, pior, muitas vezes termina em tragédia, com uma lesão grave ou até o assassinato da mulher.
Levando em conta que 1/3 das mulheres no Brasil sofra algum tipo violência e 70% das agressões contra as mulheres acontecem dentro de casa, conclui-se que o lugar menos seguro para a mulher hoje em dia é o seu próprio lar. Mas esta quatro tende a mudar, com a nova lei, que busca proteger a mulher no âmbito doméstico e familiar, ou seja, coíbe a violência perpetrada no próprio lar.
Um grande problema reside no fato de que as mulheres sofrem caladas. Embora o quadro esteja mudando com a nova lei e hoje não se aceite mais que o homem maltrate e bata na mulher só porque ela é sua esposa, companheira, filha ou irmã, mais da metade das mulheres agredidas sofrem caladas e não pedem ajuda. Um dado interessante constatado por um relatório da OMS revelou que mais de 50% das mulheres agredidas consideram aceitável apanhar de homem. Mais de 20% das mulheres que sofrem violência não contam o caso a ninguém. Segundo uma pesquisa realizada pelo senado, em 2007, as mulheres agredidas no ambiente familiar resistem em denunciar seus agressores. Do total de vítimas, apenas 40% tomou a iniciativa de registrar uma denúncia nas delegacias comuns ou delegacias da mulher. As restantes optaram por não tomar nenhuma atitude ou procurar ajuda de familiares e amigos. As razões que levam a mulher agredida a não denunciar, entre outras, são que 28% acreditam que a denuncia só fará aumentar a violência em casa e 15% aponta como causa a dependência econômica.
Estes dados mostram que para elas, é difícil dar um basta na situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as verdadeiras culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos; porque tem medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela idéia do “ruim com ele, pior sem ele”.
Muitas se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então para alguma amiga próximo, vizinha ou colega de trabalho. Já o numero de mulheres que recorrem à policia é ainda menor. Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos.
Esses resultados demonstram a dificuldade da sociedade e do Estado brasileiro em lidar com questões ainda muito ligadas à esfera do privado, onde teoricamente o Estado tem pequena penetração. Os mecanismos institucionais de proteção às mulheres previstos na Lei precisam “sair do papel” e tornarem-se acessíveis a toda população. No total, o Brasil conta com mais de 387 delegacias especiais. Então mulheres, vamos denunciar e tirar a lei do papel, ou vocês querem continuar sofrendo?
Para introduzir o tema do próximo ensaio – onde trataremos acerca dos pontos primordiais da nova lei – a lei também conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la, usando arma de fogo, eletrocução e afogamento. Mas ficou paraplégica, e o agressor só foi punido depois de 19 anos, ficando preso apenas dois anos em regime fechado.
Só a para comentar, sob proteção da CF/88, expresso que esperava mais do Fórum Estadual Maria da Penha, realizado no dia 10 de março do presente ano na Cidade de Maringá (inclusive divulgado no inicio do ensaio anterior). A Senhora Maria da Penha, além de não ser conhecedora profunda da Lei que teve o seu nome e nem das questões de gênero, teve algumas atitudes bruscas com relação a algumas perguntas pertinentes feitas pela platéia, o que deixou a desejar. Também com relação aos demais componentes da mesa e juristas presentes não foi satisfatório. Há grandes Juristas e Sociólogos que conhecem a questão do gênero a fundo, como a Prof. Dra. Ana Lucia Sabadell da Silva, Dra. Vera Regina Andrade, Dra. Luiza Nagib Eluf, estas sim deveriam ser chamados para o evento. Mas o que vale é a iniciativa, a luta, a esperança de mulheres corajosas e guerreiras para que o futuro seja melhor, com paz e sem violência.
Para finalizar, fiquei indignado e ao mesmo tempo triste com a noticia relatada pelo Jornal O Estado de São Paulo (21/03/2007, p. C5), de que Dirceu Jacobi manteve a ex-mulher de 20 anos em cárcere privado por 9 (nove) meses. A moça foi encontrada, sexta feira (16/03), pesando 35 quilos, tinha a cabeça e sobrancelhas raspadas, vários hematomas pelo corpo e órgãos genitais dilacerados.
No próximo ensaio trataremos dos pontos primordiais da nova Lei que combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. Até lá, espero que as mulheres vítimas de violência e toda a sociedade entrem na luta de denunciar o agressor, o que sem isto, quase nada poderá ser feito. Então vamos a luta.
Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Violência de gênero e a Lei Maria da Penha II. Portal Maringaense.com, Maringá, 22 março 2007. Seção Colunas: Direito e Justiça. Disponível em: http://www.maringaense.com/index.php?meio=colunas&idcolunista=16&idartigo=167&idcoluna=4. Acesso em: 14 set. 2007.
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