sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Tempos de emoção social: Reflexões sobre a Pena de Morte


Muito se fala, atualmente, principalmente em decorrência dos crimes graves de maior repercussão daqueles que são exaustivamente notificados pela mídia (Ex. Caso João Hélio Fernandes), sobre a necessidade de modificação da lei penal brasileira, recolocando no centro das discussões um velho tema: a pena de morte.

Vítima de um delito que chocou o País, a família de João Hélio Fernandes (com o apoio da sociedade), de 6 anos, que ficou preso ao cinto de segurança e foi arrastado por sete quilômetros, deflagrou uma cruzada pela fixação de penas mais severas a infratores, entre elas, a pena de morte, atraindo manifestações de representantes de diversos segmentos sociais.

E como sempre as opiniões se opuseram. Os partidários da supressão do homem sustentam que a presença da pena de morte na legislação desestimulará homicídios, latrocínios, crimes sexuais violentos, seqüestros etc., cometidos invariavelmente com requintes de crueldade. Outros invocam que a pena de morte não é a solução, já que esta não cumpre a função de pena, mas simplesmente a função de suprimir um homem, definitiva e irreversivelmente, invocando também forte argumento do erro judicial para se oporem a execução dos infratores. Um dos mais dolorosos casos de erro judicial é o dos irmãos Naves, condenados por assassinato que jamais haviam perpetrado, mas admitido na polícia e em juízo, após dias e noites de tortura.

A pena de morte tem sido aplicada desde os primeiros tempos(1), felizmente com o advento do famoso livro Dei delitti e delle pene, de autoria de Cezare Beccaria (criminólogo italiano que viveu no século XVIII), houve profundas mudanças nas ciências criminais em todo o mundo. Nele, o autor expõe os motivos quais afirma que a pena de morte não deve ser aplicada em um Estado que tenha um governo justo (segundo as idéias da época, um governo democrático).

A pena de morte desapareceu ou tende a desaparecer nos países mais civilizados do mundo, como na Alemanha, Grã-Bretanha, França, Portugal. Em contraposição, nos EUA, movido por uma política de “Direito Penal Maximo”, a pena de morte continua a ser aplicada. O número de americanos sob o controle do sistema penitenciário atingiu quase 6,9 milhões. Trata-se de 3,2% da população adulta dos EUA. A opinião publica, cerca de 2/3 dos americanos, diz ser favorável à pena de morte. Mas tanto as condenações como as execuções concentram-se geograficamente em menos de 20% dos condados, ou municípios, dos 38 Estados que praticam esse tipo de punição. Na maioria dos casos, os condenados eram pessoas pobres, pertencentes a minorias raciais e foram representados no julgamento por advogados públicos ineptos. Ocorre que a população carcerária teve aumento nos últimos anos em mais de 3% nas cadeias e 2% nas prisões(2). Isto mostra o total fracasso da pena de morte nos EUA, a criminalidade em ascensão.

No Brasil, uma parte significante da população é a favor da pena de morte, é que mostra a Pesquisa do Datafolha, realizado no ano passado, que avaliou a opinião dos brasileiros sobre o instituto. A população se dividiu: 49% se disseram a favor e 45% se manifestaram contra a pena de morte. Como a margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, há um empate técnico. Só 2% se declararam indiferentes. A região Sul do Brasil foi a que registrou as mais altas taxas favoráveis à pena de morte - 55%. As regiões Sudeste e Nordeste tiveram os índices menos favoráveis à pena de morte - com 47% dos entrevistados. Entre os paulistas 51% se disseram favoráveis à pena de morte. E 42% afirmaram ser contra. Já no Rio de Janeiro, estado que enfrenta constantes problemas de segurança com o crime organizado, 38% disseram ser a favor da pena de morte(3).

Embora a sociedade apresente uma certa simpatia pela pena de morte, como visto acima, há uma impossibilidade da mesma ser adotada em face de ferir as clausulas pétreas, art. 60, § 4.º(4) e os Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5.º XLVII, alínea a, ambos da Constituição Federal de 1988. A pena capital somente poderá ser aplicada em tempo de guerra, que deverá ser declarada pelo Presidente da República, nos casos previstos em lei. O Código Penal Militar admite a aplicação da pena de morte quando forem praticados determinados crimes, como a espionagem, a traição, entre outros. A pena de morte será aplicada na modalidade de fuzilamento, devendo ser assegurado ao acusado a ampla defesa e o contraditório. Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) impede o Estado signatário (entre eles o Brasil) de restabelecer o instituto de pena de morte (art. 4.º da CADH).

Para Luis Flávio Borges D’urso, a pena de morte é tema de apelo fácil à emoção. Quando a sociedade esta comovida, quando a emoção social está de alguma forma manipulada ou estimulada, verificamos que a pena de morte ganha campo, adeptos, simpatizantes e defensores ferrenhos. Se fizéssemos um plebiscito para que o povo decidisse se teríamos ou não, no futuro no Brasil, a pena de morte, diante do impacto da notícia de algum eventual crime bárbaro, certamente o resultado do plebiscito seria favorável à implantação da pena de morte(5).

A pena de morte tem como objeto a vingança do povo ao corpo do infrator e como objetivo produzir um efeito social de terror(6). Numa política de terror para intimidação do povo, em que o poder se reproduz pela produção do medo(7).

A pena de morte não é uma pena e sim supressão física do indivíduo e a sua aplicação não causa diminuição da criminalidade. Também a referida pena apresenta outros problemas operacionais, como, qual o membro do MP pediria a aplicação da pena de morte? Que corpo de jurado seria capaz de aplicá-la? O STF, após recursos, manterá a questão? Como seria a execução? Quem assumiria a função de carrasco? E quando ocorrer erro judiciário? Como se percebe a questão da pena capital traz grandes problemas.

Somos contrários à adoção da pena de morte, que apesar de ser ilegal, inútil, desnecessária e nociva, se for adotada no Brasil provavelmente somente seria aplicada na população já estigmatizada pelo nosso Sistema Penal. Entendemos que a mesma não trata resultados efetivos para a sociedade e é grande o risco de serem executados inocentes em caso da ocorrência de erros judiciários em processos criminais.

Proponho que encerremos definitivamente esse assunto, pois há coisas mais presentes e reais a serem resolvidas na esfera da legislação penal. A violência deve ser combatida com saúde, educação, emprego, alimentação, distribuição de renda e a melhoria das condições de vida da população. Combater a Violência com mais Violência seria o caminho? O que se deve buscar é acabar com o crime e não com o criminoso.


Notas:

(1) A propósito, exalça o cartapácio Bíblico: “Quem ferir a outro, de modo que este morra, também será morto” (Êxodo, 21.12), e, mais, “olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe” (Êxodo, Capítulo 21, versículos 24 e 25). Além de outras varias citações em que a Bíblia descreve acerca da pena de morte.

(2) Dados retirados de diversas reportagens do Jornal o Estado de São Paulo.

(3) Fonte: Brasileiros não querem viver em São Paulo, mostra Datafolha. Disponível na Internet em www1.folha.uol.com.br/ folha/ cotidiano/ult95u121978.shtml, acesso em 03.03.2007.

(4) O que não impede que numa assembléia nacional constituinte tal cláusula pudesse ser adotada, apesar de existirem opiniões contrárias. Ao nosso ver a adoção da pena de morte só poderia ser feita por uma nova Assembléia Nacional Constituinte. É que a pena de morte é vetada em sede de cláusulas pétreas. Não pode ser instituída por emenda. (Apenas o poder constituinte originário tem força para tal adoção).

(5) D’URSO, Luiz Flávio Borges. Pena de morte o erro anunciado. Disponível na internet em http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo333.shtml, acesso em 03.03.2007.

(6) RUSCHE; Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. 2. ed. trad., rev. e nota introdutória de Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 249.

(7) CIRINO DOS SANTOS; Juarez. A criminologia Radical. 2. ed. Curitiba: ICPC/Lumen Juris, 2006, p. 73.



Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Tempos de emoção social: Reflexões sobre a Pena de Morte. O Estado do Paraná, Curitiba, 01 abr. 2007. Caderno Direito e Justiça, p. 13.




Um comentário:

Cely Bandolero disse...

Ótimo artigo contra a pena de morte.

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