sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Resenha de livro:

DIMOULIS, Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos: introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. Com a tradução de texto de Lon L. Fuller, parte da obra The morality of law. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 94 p.


O trabalho “O caso dos denunciantes invejosos” foi confeccionado pelo Doutor e Pós-Doutor em Direito, Dimitri Dimoulis, pela Universidade do Sarre na Alemanha, da qual foi professor e que também fora da Universidade de Metz na França. Atualmente, faz parte do corpo docente da Universidade Metodista de Piracicaba, da Universidade Bandeirante de São Paulo, e ainda, é diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais (IBEC). Autor de vários livros, dezenas de trabalhos em periódicos e coletâneas científicas no Brasil, Alemanha, Grécia, Inglaterra, Holanda e Itália.

Parte de sua obra encontra fundamento em uma outra obra, intitulada: “The morality of law” de Lon L. Fuller, este graduado em economia e direito pela Universidade de Stanford, ministrou a matéria de Teoria Geral do Direito nas Faculdades de Direito de Oregon, Illinois e Duke e, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, tendo publicado várias obras na área do direito civil, filosofia e teoria do direito e vários artigos, de onde traduziu tentando repassar a problemática ali apresentada de forma mais autêntica e transparente possível.

O livro do Prof. Dimitri é compreendido por duas partes. A primeira expõe os pareceres do Fuller e a segunda contribui para uma melhor interpretação do caso, a seguir mencionado, ao emitir mais cinco pareceres de autoria do Prof. Dimitri. Ainda na primeira parte, relatou-se que, na vigência do regime ditatorial no século XX, no mandato dos Camisas-Púrpuras, indivíduos foram denunciados propositalmente por denominados invejosos, por isso Denunciantes Invejosos, e condenados a morte por crimes aparentemente não tão graves. O que faz valer a legislação vigente à época, momento marcado por intensas restrições a liberdade de expressão repercutindo em todos os âmbitos dos direitos humanos. E como resultado tem-se uma gama de pessoas condenadas a pena capital em razão de subverter o sistema.

O fato é que na ilusão de mudanças legislativas, superação da crise econômica e conflitos de interesses entre as distintas linhas de poder, o eleitor, enxergou nos Camisas-Púrpuras uma saída, mas para sua frustração nada fora alterado. Aliás, aprofundaram-se os abusos de autoridade e, como se não bastasse, curiosamente, a anistia foi concedida somente para os membros do partido eleito. Enfim, era o quadro do privilégio e poder irrestrito em detrimento do silêncio de muitos inocentes.

Com o desmantelamento desse inigualável governo de submissões e incoerências, surge a problemática de se punir ou perdoar os delitos ocorridos na ditadura tanto dos denunciantes quanto daqueles que cumpriram ordens, ou seja, de todos os colaboradores do sistema; de prevalecer o direito posto ao direito justo.

Veja, agora a discussão tomou corpo no sentido de que é necessário remontar as definições de moral e justiça, defendendo teorias a nelas inerentes para solucionar tal acontecimento.

Caberá, portanto, numa reflexão teórica e filosófica sobre os elementos constitutivos do direito e sua relação com a moral e justiça, a exigência de uma pesquisa ontológica acerca do fato para eventualmente obter possíveis respostas.

Para a formação da obra, infinitos argumentos e posicionamentos foram utilizados. Os pareceres apresentados por Fuller decidiram no sentido da impunidade dos supostos crimes cometidos pelos Denunciantes Invejosos acreditando ser uma denúncia coerente; da elaboração de uma legislação retroativa, determinando quem seriam os denunciantes, prescrevendo sanções, como posicionamento ímpar do quarto deputado; ou, da punição dos denunciantes pelo delito de homicídio ao utilizar os tribunais como forma de satisfazer o interesse pessoal e, perdoar aqueles que agiram por motivo de convicção política.

Os cinco novos pareceres apresentados por Dimitri apontam fundamentos que remontam ao princípio da legalidade, dignidade da pessoa humana, devido processo legal, proporcionalidade da pena, direito à vida e tantos outros. Uns tendendo a impunidade alegaram que punir perpetuaria o círculo de violências e sofrimentos (Prof. Wendelin e Profa. Sting), desnaturaria a soberania nacional já que o regime foi escolhido pelo povo. Devendo o juiz e o legislador averiguar a utilidade social de suas decisões(entendimento do Prof. Wendelin). Para outros (Prof. Goldenage e Prof. Satene), como sinal de interpretação dos princípios que informam o Direito, agindo como operador da justiça, os denunciantes deveriam ser punidos.

De acordo ao Satene, os Denunciantes Invejosos deveriam ser punidos como partícipes ou autores.
As propostas das terceira (Profa. Sting) e quinta (Profa. Bernadotti) professoras foram surpreendentes. A terceira invocou o seu parecer sob o ponto de vista feminista, já que os pareceres do Fuller foram elaborados pelos homens. O que considera uma afronta ao direito de ser e fazer das mulheres e, por isso, acredita que o direito serve de instrumento para punir aquele que violar o direito de propriedade do homem, que encara a mulher como um mero objeto. Descarta, pois, a punibilidade dos denunciantes para não perpetuar o círculo vicioso da ótica
masculina.

A quinta revela uma posição voltada para a seara filosófica, remetendo ao estudo da política e do poder como fator preponderante para a resposta do problema. Deve-se analisar o contexto histórico, posto que o direito é resultado das lutas políticas. E o fato dele estar codificado não implica que o magistrado deve ficar adstrito a execução somente das normas jurídicas. Cogitou na possibilidade de editar leis retroativas, mas, no mesmo momento, mencionou o efeito violador ao princípio da legalidade. E, finalmente, constatou que a melhor solução seria punir com sanções de natureza política os denunciantes já que o direito é uma questão de poder.

O caso em estudo abarca o confronto entre o direito, a moral e a justiça, que deveria estar numa relação de complementaridade e, dependendo do caso concreto, um ceder ao outro, mas mantendo um equilíbrio para não fragmentar a ordem jurídica e o real desejo e necessário de concretizar a justiça social. Para tal, torna-se imperativo uma melhor interpretação principiológica da Constituição para uma bela aplicação e construção do Direito numa nítida passagem de uma justiça de transição.

Haverá, portanto, de ser interpretado os princípios informadores da Constituição de determinado grupo social para a aplicação de um direito justo tendo em vista que o próprio direito se faz de instrumento para o alcance de finalidades: estas voltadas ou não para a coletividade.

Ressalta-se que o fato exposto se caracteriza pela interdisciplinaridade, de maneira a mover as inquietações da matéria de introdução ao estudo do direito, filosofia, teoria do direito no sentido de se exigir uma reflexão mais profunda sobre a questão do fundamento de validade do direito em razão de falhas interpretativas ou de satisfação de interesses particulares. Aponta-se a posição de relevância do poder e o confronto entre um documento jurídico, o intrínseco humano e a realidade.

Destaca posicionamentos interessantes de um acontecimento fictício, porém, de conteúdo plenamente aplicável ao mundo real. Contata-se a apurada metodologia científica utilizada, adotando uma seqüência de raciocínio e argumento consistentes, lógicos com propostas originais.

A obra prima por ser inovadora, empregando uma linguagem acessível e concisa e enriquecendo o entendimento sobre o relevante momento de transição da justiça de cujos fundamentos filosóficos contam com o apoio de rica bibliografia nacional e estrangeira.



Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti; ALMEIDA, Lorena Fernandes. O caso dos denunciantes invejosos: introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. Revista Discurso Jurídico, Campo Mourão/PR, nov. 2006, v. 2. Seção resenhas de livros. Disponível em: <http://www.revista.grupointegrado.br/discursojuridico/viewissue.php?id=4>. Acesso em: 14 set. 2007.

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