sexta-feira, 14 de setembro de 2007

SOBRE OS MENORES INFRATORES


‘Não é motivo para surpresa que muitos dentre eles prefiram o ilícito à inação ou ao suicídio’


De tempos em tempos, os menores infratores são demonizados, quando atos violentos de grande repercussão acontecem (exemplo: o já quase esquecido caso João Hélio), levando diversos segmentos da sociedade a uma cruzada pela fixação de penas mais severas.

Ocorre que fatos de grande repercussão levam a uma distorção da realidade. Provoco os nobres leitores a uma breve reflexão.

No Brasil, 15% da população têm idade entre 12 e 18 anos. Destes, menos de 0,2% são responsáveis pela prática de atos infracionais - 39.578 adolescentes cumprem algum tipo de medida sócio-educativa no Brasil.

Em 2006, havia 15.426 internos no sistema sócio-educativo de meio fechado. A maioria estava em regime de internação (10.446), seguidos da internação provisória (3.746) e da semiliberdade (1.234).

Mais de 64% dos adolescentes estão internados por crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas. Cerca de 80% dos menores que estão em conflito com a justiça vêm de casas onde a renda familiar não chega a 2 salários mínimos.

No Brasil, os menores são privados dos elementos básicos para a sobrevivência humana, incluindo a falta de alimentação, o desemprego - aproximadamente 4,4 milhões de jovens, entre 15 e 24 anos, estão desempregados -, a carência de habitação e vestuário, a baixa escolaridade, a falta de participação nas decisões políticas etc.

Diante da necessidade resta aos menores a escolha entre morrer de fome lentamente, matar a si próprio rapidamente, ou recorrer ao ilícito. E não é motivo para surpresa que muitos dentre eles prefiram o ilícito à inação ou ao suicídio.

Agora, o que podemos esperar de menores carentes de direitos fundamentais, pois estes são, de fato, a pólvora do barril anti-social. É ilógico exigir um comportamento civilizado aos órfãos da dignidade humana. Antes de o menor ser autor de crime, em geral, ele foi vítima.

Quem acredita que reduzir a idade penal, alterar o Estatuto da Criança e do adolescente, aplicar penas mais rigorosas ou estigmatizar o ''delinquente juvenil'' irá reduzir ou eliminar o crime no país, está completamente enganado.

Agora, claro, se o que se quer é vingança, se o que se deseja é o sofrimento dosificado, aplicado em doses proporcionais à gravidade do ato praticado, então o melhor mesmo é a punição e repressão.

Não estou a defender a irresponsabilidade pessoal ou social. A inimputabilidade - causa da exclusão da responsabilidade penal - não retira do menor a responsabilidade sobre seus atos criminosos.

Não é verdadeiro o ditado popular de que ''o menor não pega nada'', pois o ECA, além das medidas sócio-educativas, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não sentenciado, e oferece muitas alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas.

Estou sim a defender a mudança da realidade social e econômica. Devemos chegar antes, atacando os verdadeiros motivos da criminalidade, tal como a exclusão social, desemprego, família dilacerada, fome, uso de drogas, criminalidade dos verdadeiros foras-da-lei ricos.

Quanto aos que estão no cárcere, estes devem ser tratados com dignidade e a um honesto esforço de ressocialização. A recuperação de alguns, embora difícil, é possível. Trata-se de um objetivo que deve ser escrupulosamente perseguido pelo Estado e por todos nós.

As pessoas tornam-se violentas quando deixam de ter opções e, quando a sociedade deixa de ter opções para lidar com a violência, recorre à repressão, ao controle e ao aprisionamento.



Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Sobre os Menores Infratores. Folha de Londrina, Londrina, 16 maio 2007. Reflexão Jurídica, p. 04.




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