sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Violência de gênero e a Lei Maria da Penha IV (parte final)

No artigo anterior, adentramos ao estudo da nova lei Maria da Penha, agora continuaremos. Um grande avanço foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), com competência cível e criminal (art. 14). Para a plena aplicação da lei o ideal seria que em todas as comarcas fosse instalado um JVDFM. O juiz, o promotor, o defensor e os servidores deveriam ser capacitados para atuar nessas varas, que precisariam contar com equipe de atendimento multidisciplinar, integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), além de curadorias e serviço de assistência judiciária (art. 34). Outra mudança Importante. O afastamento da violência doméstica do âmbito dos Juizados Especiais (art. 41). Assim, quando a vítima é a mulher, e o crime aconteceu no ambiente doméstico, o agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei Penal, ou seja, ação pública incondicionada. Enquanto não ocorrer a instalação dos JVDFM, as demandas serão encaminhadas às Varas Criminais (arts. 11 e 33). Somente o juiz togado pode apreciar tais pedidos. Cabe atentar a que cada denúncia de violência doméstica pode gerar duas demandas judiciais. Tanto o expediente encaminhado pela autoridade policial para a adoção de medidas protetivas de urgência (art. 12, III), como o inquérito policial (art. 12, VII), serão enviados a juízo em momentos diferentes. Como é garantido o direito de preferência (art. 33, parágrafo único), indispensável a imediata instalação dos juizados especializados pois, nas varas criminais, certamente os demais processos acabarão tendo sua tramitação comprometida, com maior possibilidade da ocorrência da prescrição. Deferida ou não a tutela de urgência, o juiz pode designar audiência de justificação ou de conciliação. A finalidade não é induzir a vítima a desistir da representação e nem forçar a reconciliação do casal. É uma tentativa de solver consensualmente temas como, guarda dos filhos, regulamentação das visitas, definição dos alimentos. Na audiência, na qual estará presente o Ministério Público (art. 25), tanto a vítima (art. 27) como o agressor deverão estar assistidos por advogado. O acordo homologado pelo juiz constitui título executivo judicial (CPC, art. 475-N, III). A transação não significa renúncia à representação (art. 16) e tampouco obstáculo ao prosseguimento do inquérito policial. Sem êxito a tentativa conciliatória, permanece hígido o decidido em sede liminar. Em qualquer hipótese deve a vítima, se não estiver acompanhada de procurador, ser encaminhada à Defensoria Pública. Há a possibilidade de substituição de uma medida protetiva por outras, bem como a concessão de novas providências para garantir a segurança da ofendida, seus familiares e seu patrimônio. Tal pode ser determinado de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida (art. 19, §§ 2º e 3º). Deferida ou não medida antecipatória, realizado ou não o acordo, nada obstaculiza o andamento do inquérito policial, o qual será distribuído ao mesmo juízo que apreciou o procedimento cautelar. Nos crimes de ação penal pública condicionada, pode a vítima renunciar à representação (art. 16). Trata-se de retratação à representação tomada por termo pela autoridade policial quando do registro da ocorrência (art. 12, I). O desejo de desistir pode ser comunicado pessoal e oralmente pela ofendida no cartório da vara à qual foi distribuído o incidente preliminar. Certificada pelo escrivão a manifestação de vontade da vítima, tal deverá ser comunicado de imediato ao juiz que designará audiência para ouvi-la, dando ciência ao Ministério Público. Encontrando-se o juiz nas dependências do fórum, a audiência pode ser realizada de imediato. Homologada a renúncia, será comunicada a autoridade policial para que arquive o inquérito policial, em face da extinção da punibilidade. Porém, só há a possibilidade de a vítima renunciar à representação nos delitos que o Código Penal classifica como sendo de ação pública condicionada à representação. Com referência às lesões corporais leves a exigência de representação não se aplica à violência doméstica. Ainda que esse delito tenha sido considerado de pequeno potencial ofensivo pela Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95, art. 88), sua incidência foi expressamente afastada (art. 41). Assim, são crimes de ação pública, não havendo exigência de representação e nem possibilidade de renúncia ou desistência por parte da ofendida (art. 16). Somente nas hipóteses em que o Código Penal condiciona a ação à representação é possível a renúncia, mas antes do recebimento da denúncia. Não incidindo a Lei dos Juizados Especiais, também não há que se falar em suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95, art. 89), composição de danos ou aplicação imediata de pena não privativa de liberdade (Lei nº 9.099/95, art. 72). Aliás, foi para dar ênfase a esta vedação que a lei acabou expressamente por vetar a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique no pagamento isolado de multa (art. 17). Igualmente não dá mais para o Ministério Público propor transação penal ou aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa (Lei nº 9.099/95, art. 76). Ditas restrições não significa que a condenação levará sempre o agressor para a cadeia. Mesmo que tenha havido a majoração da pena do delito de lesão corporal — de seis meses a um ano para três meses a três anos (o art. 44 deu nova redação ao art. 129, § 9º do CP) —, ainda assim possível é a suspensão condicional da pena (CP, art. 77). Urge notar que se a violência domestica for praticada contra pessoa portadores de deficiência a pena será aumentada de 1/3 (um terço). Outra inovação foi a agravante de pena quando o agente agir com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domesticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei especifica. Art. 61, inciso II, alínea f do CP). O último dispositivo da lei permiti que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (art. 45). Mas para isso é necessário que tais espaços existam. Apesar de ser concorrente a competência da União, dos Estados e Municípios para a estruturação desses serviços, a serem prestados por profissionais das áreas psicossociais (art. 35), sabido sua implementação será dificultosa. Será primordial que as universidades, organizações não governamentais, serviços voluntários se disponham a concretizar deste que é a mais eficaz arma para coibir a violência doméstica: gerar no agressor a consciência de que ele não é o proprietário da mulher, não pode dispor de seu corpo, comprometer impunemente sua integridade física, higidez psicológica e liberdade sexual. Muitas outras inovações virão, as quais serão tratadas em momento oportuno, pois uma luta de décadas não poderia ser tratada em um só momento. Por derradeiro, quero juntar-me a todas aquelas que sofreram violência e a todos os que lutam contra isso e ainda acreditar que é possível inventar outras formas de relações, com afeto, amor e companheirismo.




Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Violência de gênero e a Lei Maria da Penha IV (parte final). Portal Maringaense.com, Maringá, 04 maio 2007. Seção Colunas: Direito e Justiça. Disponível em: http://www.maringaense.com/index.php?meio=colunas&idcolunista=16&idartigo=184&idcoluna=4. Acesso em: 14 set. 2007.


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