Regime Disciplinar Diferenciado
Como resultado da total incapacidade do Estado no combate ao crime, veio a lume a Lei nº 10.792/03, que disciplina as matérias atinentes ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Este regime surge como forma de sanção disciplinar e tratamento diferenciado a presos de alta periculosidade. Ocorre que desde o seu nascedouro sustenta extrema violação aos direitos humanos, às convenções internacionais e à Constituição Federal de 1988.
Esse modelo de prisão tem como fonte os presídios de isolamento total dos EUA, conhecidos como Supermax, onde 1% (mais de 20 mil detentos) da população carcerária, "o pior dos piores", está encarcerada.
Os presos no Supermax ficam numa cela individual de 9 metros quadrados, com cama, banco de cimento, chuveiro, privada em inox e televisão branco e preto, tendo acesso aos canais locais e aos programas de terapia controlados pela administração do presídio. Ao lado das grades há um espaço vazio, de mais ou menos 1 metro, onde os guardas entram, depois de aberta a porta de aço entre a cela e o referido espaço. O local em questão serve para os guardas entregarem escova de dente, café da manhã, almoço e jantar, e quando vão buscar os presos para levá-los ao banho de sol. Nas celas eles podem ler um dos livros permitidos e escrever usando lápis e papel.
Eles vão algemados e escoltados das suas celas até o pátio, onde suas algemas lhes são retiradas, sendo recolocadas no caminho de volta à cela. A saída da cela é apenas uma vez ao dia, por período de uma hora, onde são levados a um pequeno pátio no qual se vê um pedaço do céu pelo teto de arames farpados ali os presos se encontram e podem conversar. Aos presos também é permitido telefonar, tendo suas ligações autorizadas e limitadas pelos carcereiros.
O mau comportamento é punido com a retirada forçada do preso da cela e sua imobilização por horas numa espécie de cama de cimento. Tal punição ocorre quando o preso recusa a ordem de parar de gritar em sua cela, em casos extremos, quando usa a única arma a seu dispor e lança urina e fezes contra os guardas.
No Brasil, o RDD não é muito diferente do Supermax, sendo o modo mais duro de cumprimento de pena.
Destina-se a abrigar presos provisórios ou condenados, quando: a) o preso praticar fato previsto como crime doloso que constitua falta disciplinar de natureza grave, e que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas do estabelecimento penitenciário b) quando o preso apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade c) quando recaírem fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do preso, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §§ 1º e 2º, da Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal – LEP).
O preso (provisório ou condenado) pode ser submetido ao RDD por um período máximo de 360 dias, renovável se houver nova falta grave, mas até o limite de um sexto da pena. No RDD o preso fica em cela individual, com "direito" às visitas semanais de duas pessoas (mais crianças), com duração de duas horas e saída para banho de sol, por duas horas diárias (art. 52 I-IV, LEP), não tendo direito à visita íntima ou acesso ao rádio e TV. É necessária autorização judicial para que o criminoso receba esta punição.
À luz dos ensinamentos do Mestre Paulo Sergio Xavier de Souza, o "RDD converte-se em medida cruel e desumana, por conseguinte inconstitucional, porque dissonante do princípio da humanidade da pena que inspira o respeito à integridade física e moral do recluso e da proibição da tortura e do tratamento infamante (arts. 5º, III, XLVII, XLIX, CF/88, 5º, 1, 2, CADH, 40, 45, §1º, LEP, 38, CP), ferindo o interno na sua dignidade humana, protegida por vários diplomas legais (arts. 1º, III, CF/88, 5º, 2º, CADH), frustrando a finalidade idealizada pela Lei de Execução (arts. 1º, LEP, 13, 14, EM/LEP, 5º, 6º, CADH) de: '´proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado' (Cap. IV. 2.2.2 e V.3)" 1.
Nessa linha humanista de pensamento a recente decisão proferida pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, da qual foi Relator o Desembargador Borges Pereira, a saber: "o chamado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor" 2.
Mas, nos mesmos moldes da política criminal repressiva, seletista e falida, está sendo debatido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara) o RDMAX (Regime Disciplinar Diferenciado de Segurança Máxima) que dobra de 360 para 720 dias o período de reclusão. Estará sujeito ao RDMAX, o preso ligado a organização criminosa. O preso ficará confinado em cela individual, poderá receber visitas mensais de dois parentes e um advogado, em local separado por vidro e comunicação via interfone. A proposta determina também banho de sol de até duas horas diárias, sem direito a conversar com outros presos. É proibida a entrega de alimentos, bem como o uso de telefone, som, TV e rádio. O preso poderá cumprir pena longe do Estado onde reside. Embora a proposta do RDMAX não tenha sido aprovada ainda, por estar cheia de defeitos, principalmente no tocante à falta de definição no Código Penal do que seja organização criminosa, será reelaborada, e como caminha o "direito penal máximo" no Brasil, possivelmente será aprovada.
A prolongada inclusão no RDD (Supermax) pode provocar ou agravar o ódio, a loucura, a desesperança e o efeito dissocializador, é o que demonstra um ex-detento que passou cinco anos no Supermax. Ele assevera que "o isolamento é a pior punição, psicologicamente ele desumaniza, é uma forma de tortura, que vai aos poucos acabando com a capacidade de sentir, de cheirar, de tocar e mesmo de ver e ouvir". E continua "passei por vários momentos em que achei que ia perder a sanidade o ódio que você sente pelos guardas o consome. Não tenho dúvidas de que uma pessoa que sofra de algum tipo de doença mental enlouqueça no Supermax" 3.
O RDD não se ajusta, minimamente, aos direitos e garantias individuais consolidados na Constituição da República, na Lei de Execução Penal, no Código Penal e nos tratados e convenções internacionais. No EUA, com a aplicação do Supermax, notou-se que a reincidência é alta, atingindo 70% dos casos.
Como bem assevera o douto Jurista e Criminólogo Juarez Cirino dos Santos, a reforma penal deve ater-se às propostas de humanização do sistema penal, que têm por objeto programas radicais de descarcerização e de garantia dos direitos legais e constitucionais do condenado4.
Por derradeiro, cumpre ao Poder Judiciário desfazer qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade que possa resultar em inversão ou supressão dos direitos e garantias dos acusados e condenados.
NOTAS
1 Souza, Paulo S. Xavier de. Individualização da Pena: no Estado Democrático de Direito, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 291.
2 HC nº 978.305.3/0-00.
3 Reportagem da Historia de Ray Lavasseur, elaborada no dia 21 de maio de 2006, para o jornal O Estado de São Paulo.
4 Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte geral, Curitiba, ICPC/Lúmen Júris, 2006, pp. 701-704.
Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Regime Disciplinar Diferenciado. Revista Jurídica Consulex, Porto Alegre, v. 245, p. 18 - 18, 31 mar. 2007.
Esse modelo de prisão tem como fonte os presídios de isolamento total dos EUA, conhecidos como Supermax, onde 1% (mais de 20 mil detentos) da população carcerária, "o pior dos piores", está encarcerada.
Os presos no Supermax ficam numa cela individual de 9 metros quadrados, com cama, banco de cimento, chuveiro, privada em inox e televisão branco e preto, tendo acesso aos canais locais e aos programas de terapia controlados pela administração do presídio. Ao lado das grades há um espaço vazio, de mais ou menos 1 metro, onde os guardas entram, depois de aberta a porta de aço entre a cela e o referido espaço. O local em questão serve para os guardas entregarem escova de dente, café da manhã, almoço e jantar, e quando vão buscar os presos para levá-los ao banho de sol. Nas celas eles podem ler um dos livros permitidos e escrever usando lápis e papel.
Eles vão algemados e escoltados das suas celas até o pátio, onde suas algemas lhes são retiradas, sendo recolocadas no caminho de volta à cela. A saída da cela é apenas uma vez ao dia, por período de uma hora, onde são levados a um pequeno pátio no qual se vê um pedaço do céu pelo teto de arames farpados ali os presos se encontram e podem conversar. Aos presos também é permitido telefonar, tendo suas ligações autorizadas e limitadas pelos carcereiros.
O mau comportamento é punido com a retirada forçada do preso da cela e sua imobilização por horas numa espécie de cama de cimento. Tal punição ocorre quando o preso recusa a ordem de parar de gritar em sua cela, em casos extremos, quando usa a única arma a seu dispor e lança urina e fezes contra os guardas.
No Brasil, o RDD não é muito diferente do Supermax, sendo o modo mais duro de cumprimento de pena.
Destina-se a abrigar presos provisórios ou condenados, quando: a) o preso praticar fato previsto como crime doloso que constitua falta disciplinar de natureza grave, e que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas do estabelecimento penitenciário b) quando o preso apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade c) quando recaírem fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do preso, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §§ 1º e 2º, da Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal – LEP).
O preso (provisório ou condenado) pode ser submetido ao RDD por um período máximo de 360 dias, renovável se houver nova falta grave, mas até o limite de um sexto da pena. No RDD o preso fica em cela individual, com "direito" às visitas semanais de duas pessoas (mais crianças), com duração de duas horas e saída para banho de sol, por duas horas diárias (art. 52 I-IV, LEP), não tendo direito à visita íntima ou acesso ao rádio e TV. É necessária autorização judicial para que o criminoso receba esta punição.
À luz dos ensinamentos do Mestre Paulo Sergio Xavier de Souza, o "RDD converte-se em medida cruel e desumana, por conseguinte inconstitucional, porque dissonante do princípio da humanidade da pena que inspira o respeito à integridade física e moral do recluso e da proibição da tortura e do tratamento infamante (arts. 5º, III, XLVII, XLIX, CF/88, 5º, 1, 2, CADH, 40, 45, §1º, LEP, 38, CP), ferindo o interno na sua dignidade humana, protegida por vários diplomas legais (arts. 1º, III, CF/88, 5º, 2º, CADH), frustrando a finalidade idealizada pela Lei de Execução (arts. 1º, LEP, 13, 14, EM/LEP, 5º, 6º, CADH) de: '´proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado' (Cap. IV. 2.2.2 e V.3)" 1.
Nessa linha humanista de pensamento a recente decisão proferida pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, da qual foi Relator o Desembargador Borges Pereira, a saber: "o chamado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor" 2.
Mas, nos mesmos moldes da política criminal repressiva, seletista e falida, está sendo debatido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara) o RDMAX (Regime Disciplinar Diferenciado de Segurança Máxima) que dobra de 360 para 720 dias o período de reclusão. Estará sujeito ao RDMAX, o preso ligado a organização criminosa. O preso ficará confinado em cela individual, poderá receber visitas mensais de dois parentes e um advogado, em local separado por vidro e comunicação via interfone. A proposta determina também banho de sol de até duas horas diárias, sem direito a conversar com outros presos. É proibida a entrega de alimentos, bem como o uso de telefone, som, TV e rádio. O preso poderá cumprir pena longe do Estado onde reside. Embora a proposta do RDMAX não tenha sido aprovada ainda, por estar cheia de defeitos, principalmente no tocante à falta de definição no Código Penal do que seja organização criminosa, será reelaborada, e como caminha o "direito penal máximo" no Brasil, possivelmente será aprovada.
A prolongada inclusão no RDD (Supermax) pode provocar ou agravar o ódio, a loucura, a desesperança e o efeito dissocializador, é o que demonstra um ex-detento que passou cinco anos no Supermax. Ele assevera que "o isolamento é a pior punição, psicologicamente ele desumaniza, é uma forma de tortura, que vai aos poucos acabando com a capacidade de sentir, de cheirar, de tocar e mesmo de ver e ouvir". E continua "passei por vários momentos em que achei que ia perder a sanidade o ódio que você sente pelos guardas o consome. Não tenho dúvidas de que uma pessoa que sofra de algum tipo de doença mental enlouqueça no Supermax" 3.
O RDD não se ajusta, minimamente, aos direitos e garantias individuais consolidados na Constituição da República, na Lei de Execução Penal, no Código Penal e nos tratados e convenções internacionais. No EUA, com a aplicação do Supermax, notou-se que a reincidência é alta, atingindo 70% dos casos.
Como bem assevera o douto Jurista e Criminólogo Juarez Cirino dos Santos, a reforma penal deve ater-se às propostas de humanização do sistema penal, que têm por objeto programas radicais de descarcerização e de garantia dos direitos legais e constitucionais do condenado4.
Por derradeiro, cumpre ao Poder Judiciário desfazer qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade que possa resultar em inversão ou supressão dos direitos e garantias dos acusados e condenados.
NOTAS
1 Souza, Paulo S. Xavier de. Individualização da Pena: no Estado Democrático de Direito, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 291.
2 HC nº 978.305.3/0-00.
3 Reportagem da Historia de Ray Lavasseur, elaborada no dia 21 de maio de 2006, para o jornal O Estado de São Paulo.
4 Santos, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte geral, Curitiba, ICPC/Lúmen Júris, 2006, pp. 701-704.
Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. Regime Disciplinar Diferenciado. Revista Jurídica Consulex, Porto Alegre, v. 245, p. 18 - 18, 31 mar. 2007.
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