quinta-feira, 10 de abril de 2008

Tropa de Elite - Filme choca ao mostrar relações de sociedade e polícia

por Daniel Taquiguthi Ribeiro

Estreou nos cinemas, na semana passada, o filme Tropa de Elite, no Rio e em São Paulo. Estreou nos cinemas, pois em milhares de casas de todo o Brasil o filme já havia estreado em DVDs piratas. O filme, que conta a vida de um policial do Bope, Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, vem gerando discussão e polêmica na mídia que há muito tempo não se via. Em primeiro lugar, por conta da veiculação em DVD pirata de um filme antes de ter estreado no cinema, coisa que acontecia geralmente com filme americano de grande bilheteria.

A controvérsia maior, porém, tem se dado em relação ao conteúdo do filme, que inclui a prática de corrupção e tortura por parte da polícia. Críticos acusaram o filme de fascista e de usar técnicas hollywoodianas, com tomadas velozes, música envolvente e cenas de ação e violência. Para estes críticos, estes atributos estéticos limitariam a análise mais apurada das questões abordadas no filme.

A história do filme é baseada no livro Elite da Tropa, escrito por dois policiais do Bope e pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e ex-secretário Nacional de Segurança Pública do governo Lula. O diretor José Padilha, o mesmo do ótimo Ônibus 174, constrói a história do capitão Nascimento, que, em crise com o nascimento do filho, quer deixar o Bope. Antes, porém, se dedica a encontrar um substituto.

A partir daí, Padilha mostra a corrupção e a incompetência nas entranhas da Polícia Militar. Mostra também as dificuldades que policiais honestos e bem intencionados enfrentam para fazer cumprir a lei. Esses policiais, depois de ver todo tipo de irregularidades na Polícia Militar, conhecem o Bope, que acreditam ser a única saída para continuarem na corporação sem se sujar. O filme mostra, então, o treinamento desses policiais da tropa de elite, que se preparam para enfrentar a guerra contra o crime e para exterminar a bandidagem. Mostra também os policiais da elite em ação e os meios extremos, e quase sempre ilegais, que usam no bom combate contra os bandidos e a criminalidade.

Uma das críticas que se faz é que se trata de um filme de ação, com muita violência, que não ofereceria chance ao espectador de pensar. Ele apenas entraria na emoção do entretenimento e, ao sair da sala de cinema, não refletiria. A verdade é que, desde Cidade de Deus, não se fala tanto a respeito de um filme nacional. É só ver a repercussão na mídia para perceber que o filme provocou sim muita reflexão.

A impressão é de que a preocupação dos críticos está direcionada a um grupo específico de espectador. Têm medo do que alguns podem pensar sobre o filme. Por acreditarem que o filme faz uma apologia dos métodos truculentos da polícia, temem que as pessoas achem justificável esse tipo de comportamento.

É uma ingenuidade, pois o diretor não toma partido ao narrar os fatos. É só ver as cenas de tortura da polícia com sacos plásticos na cabeça, tiro a queima roupa na cara e cabos de vassouras, para se ter a certeza que Nascimento não é o mocinho da fita. A violência policial é uma realidade e parte da população acredita que essa seja a melhor forma de acabar com os marginais e manter a ordem. É esse, por sinal, o maior mérito do filme. Ao apresentar essa violência, que está no imaginário e no dia a dia da população, o filme desperta todo tipo de reação. Há desde aqueles que vibram com cada ação do capitão Nascimento e sua trupe. Há os que rejeitam esse modo de agir. E há também aqueles que ficaram atônitos depois do filme sem saber o que pensar.

É preciso ter em conta, também, que o filme é uma obra de ficção. Embora se apresente diante de nós como um filme sobre a realidade da polícia e do tráfico de drogas, o filme é um obra de arte, tem um enredo e uma história muito bem construída. Nada no filme é de graça. Cada cena ou fala tem um sentido. Um filme de ficção está muito mais preocupado com os efeitos dramáticos e com a construção da trama, do que com a realidade sociológica.

Por mais verdadeira que seja, a obra de arte é sempre uma abstração da realidade. O diretor, ao contar sua história, tem que lidar com o impacto das imagens. O próprio José Padilha, em entrevista para o programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, disse que o diretor é obrigado a simplificar a realidade. Acabam sendo construídas verdadeiras caricaturas, ou, como diria Weber, tipos ideais de atores sociais. São personagens que têm o peso de representar um grupo social amplo e complexo.

Mas, para provar sua tese, o diretor tem que exagerar características, extrapolar tendências sociais de inúmeros indivíduos. Dessa maneira, os policias militares são vistos como extremamente corruptos e incompetentes; os policiais do Bope são íntegros, porém violentos; e a elite cultural é bem intencionada, porém alienada e comprometida com o tráfico.

Para efeitos dramáticos, essas características se encaixam perfeitamente na trama, mas não se pode dizer que sejam um espelho dos cidadãos reais. Assim, a classe média com consciência social é apresentada como um dos muitos vilões do filme. Os jovens de classe média no filme só se divertem e a polícia só serve para atrapalhar a diversão deles. Padilha engloba características de um grupo social diverso e fragmentado em um grupo de personagens. Os jovens no filme são a elite cultural, que participam de ONGs e eventualmente usam drogas. Porém, eles se enquadram em um grupo muito mais amplo que é a elite econômica do país que de fato é quem alimenta o tráfico.

Daí a se concluir que justamente aqueles que têm consciência social e participam de ONGs são os grandes culpados vai uma grande diferença. Mais grave é mostrar a relação harmoniosa entre o tráfico e as ONGs. É claro que ninguém pode fazer nada em favelas ocupadas por traficantes sem a sua autorização. Mas isso está longe de ser uma amizade profunda como quer o filme. Para efeito dramático, porém, o enredo nos leva, de forma muito bem calculada, de uma ligação íntima de ONG e tráfico para um final trágico e marcante.

Outro ponto importante a se destacar é que o narrador do filme é o capitão Nascimento. Como narrador onisciente, ele tece juízos e está pronto para apontar o dedo a todos aqueles que, na opinião dele, são parte do problema. Como narrador onisciente, que sabe em detalhes o que acontece no morro, o que acontece na Polícia Militar, o que acontece na faculdade e o que acontece nas ONGs, ele pinta a realidade com as cores que ele próprio escolhe.

E não é preciso ser um grande conhecedor da polícia para saber o que qualquer policial pensa sobre marginais, classe média liberal e direitos humanos. O problema é saber até que ponto o que vemos no filme é a realidade ou a ótica, que por vezes pode ser distorcida, de Nascimento. A narração do capitão é mais o discurso de uma classe do que a realidade cristalina e isenta.

Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2007

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog